A guerra das maquininhas de cartão

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Os tapetes são iranianos, a livraria é charmosa, o restaurante é prestigiado, a chocolateria, aquele encanto, a rede de fast food, uma das maiores do País, e os bares, os mais frequentados. A loja de tapetes não abre mão de aceitar Amex. A livraria reduziu custo com a GetNet. O restaurante quer garantir o sinal na hora de passar o cartão. A chocolateria não paga pelo aluguel da máquina. A rede de fast food está sendo seduzida pelo maior concorrente. E os bares? Os bares, do mesmo dono, foram os únicos a ter exclusividade com a Cielo.
 
Esse emaranhado retrata justamente o fogo cruzado em que está hoje a maior empresa de captura de pagamentos com cartões de crédito e débito, com mais de 50% do mercado, e que tem registrado por ano lucro líquido de R$ 2 bilhões. Em 2013, entretanto, a Cielo começou a se ressentir da concorrência e a registrar queda na rentabilidade. Até o final do ano, a expectativa é de mais aperto. O principal embate é com a Redecard, que depois de um ano de ajustes começou forte ofensiva para recuperar mercado.
 
Por trás desse ramo de nome difícil – adquirência – e muitas vezes confundido com o negócio das bandeiras dos cartões, estão os maiores bancos do país. E estão no setor não só porque as empresas de adquirência podem ser altamente lucrativas, mas porque geram um potencial de mercado de crédito lastreado em recebíveis (os recibos de pagamentos gerados todo mês e que tornam as operações de crédito menos arriscadas), que neste ano pode chegar a R$ 850 bilhões. Em 2012, os brasileiros passaram pelas maquininhas R$ 725 bilhões.
 
É a esse mercado que os bancos querem ter acesso e não foi à toa que o Itaú dobrou sua aposta no ano passado ao pagar mais de R$ 10 bilhões para ser dono sozinho da Redecard, a principal concorrente da Cielo, que tem o Bradesco e o Banco do Brasil como sócios. E também não é à toa que o Santander está fazendo um movimento próximo à casa dos dez dígitos para comprar a GetNet, que já é sua parceira. Outros movimentos foram a decisão do Banco Pan, do BTG Pactual, de começar no negócio, o anúncio feito pelo Citibank de que vai retornar à adquirência com a Elavon e, no Sul do país, a iniciativa do Banrisul de também atuar no setor.
 
Se, por um lado, as empresas estão tendo de abrir mão de sua lucratividade, por outro toda essa concorrência está chegando aos lojistas e representando redução de custos. Na semana passada, o dono do Filial, um tradicional bar da Vila Madalena, em São Paulo, abriu sua quarta casa, o Mundial. Foi a oportunidade de negociar preços e reduzir os custos em 0,2% sobre o faturamento. Os bares, que antes tinham maquininhas da Redecard e da Cielo, vão operar agora só com esta última, e a máquina da Redecard servirá de back up. De acordo com um dos sócios dos bares, Arnaldo Altman, a exclusividade também foi fechada porque a Cielo ofereceu vantagens como a possibilidade de troco de até R$ 20 para os clientes que frequentam cada bar todas as noites e que eventualmente estão sem dinheiro para pagar o estacionamento ou o táxi.
 
Oferecer alguns benefícios, como esse dado ao dono do Filial, é uma das estratégias da Cielo para manter seus clientes. A empresa já se prepara para um novo baque em seus negócios: a regulamentação do setor que passou a ser supervisionado pelo Banco Central. A expectativa é de que a partir das regras a serem feitas pelo BC, a Cielo perca a exclusividade no recebimento dos cartões American Express. Muitas lojas ainda se mantém fiéis à Cielo por causa dessa exclusividade.
 
O dono de uma tapeçaria nos Jardins diz que não pode perder um cliente que seja por não aceitar Amex. O iraniano, que prefere não se identificar, acrescenta: “E se esse único cliente for justamente aquele que vai gastar R$ 50 mil na loja?”.
 
O problema de sinal que deixa a Cielo muitas vezes fora do ar, relatado pelo iraniano, nem é um problema das empresas de adquirência que dependem dos serviços das operadoras de telefonia, que fornecemos chips para as máquinas. Mas acabam sendo fator de competição. O restaurante Maní, por exemplo, optou pela exclusividade com a Redecard porque recebe três máquinas, sem custo, com três diferentes chips. “Mesmo que a Cielo ou outra empresa ofereça o mesmo, por que trocaria algo que está dando certo?”, diz Gláucia Ferrari, gerente-geral.
 
Ofertas. Outro grande desafio é superar as propostas casadas, de máquinas e serviços bancários, das competidoras. A empresa tem um modelo diferente de negócios de seus concorrentes: é a única que tem mais de um banco como acionista, por isso não pode usar desconto em outros serviços bancários de forma tão agressiva como os rivais para fechar negócios.
 
“Estamos satisfeitos com o nosso modelo e conseguimos mostrar ao mercado que ele funciona”, diz o presidente da Cielo, Rômulo Dias. Mas ele admite que será difícil manter a participação de mercado atual em função da concorrência, apesar de acreditar que o crescimento do uso de cartões como meio de pagamento pode compensar a perda de market share.
 
Na prática, entretanto, o que a Cielo está percebendo é uma queda constante da rentabilidade porque tem tido que reduzir seus ganhos a cada nova rodada de contratos com seus clientes.
 
Foi o caso de uma rede de livrarias de São Paulo, que prefere não ser identificada, mas que conseguiu reduzir em 0,3% sobre o faturamento os custos que tinha com a Cielo ao levar a GetNet para suas lojas. Hoje, a rede já negocia também com a Elavon, que começou neste ano a busca por clientes. De qualquer forma, a GetNet já deixou seu legado pois a livraria aumentou o nível de relacionamento com o banco Santander, que passou a ser principal instituição financeira a prestar serviços para a rede de livrarias. “Só mantivemos a Cielo porque a empresa tem número maior de parceria com outros bancos, que assim podem acessar nossos recebíveis e reduzir custo de juros”, diz o gerente da livraria que tem contas no Itaú e Safra, além do Santander.
 
O banco espanhol, porém, ainda é um novato no mercado se comparado com Cielo e Redecard. Mas já possui 5% de market share com uma estratégia de avançar sobre as pequenas e médias empresas e, recentemente, anunciou que negocia a compra da GetNet. “Ter uma máquina de captura de pagamentos de cartão nos nossos clientes é como ter a folha de pagamento desta empresa em nosso banco”, resume o diretor do Santander, Cassius Schymura.
 
O Estado de S. Paulo