Análise: Bolsonaro ignora defasagem dos preços e pressiona Petrobras
A declaração do presidente Jair Bolsonaro, de que questionará a Petrobras sobre o aumento de 12% no preço da gasolina desta semana, volta a colocar a autonomia do comando da estatal em pauta. A reação da empresa na precificação dos combustíveis será acompanhada com lupa por investidores. A sensação entre quem monitora o mercado é de que a petroleira aumentou menos do que deveria a gasolina esta semana e que, agora, com a pressão do presidente da República, criou-se um clima de desconforto para novos reajustes.
Uma das frases mais escutadas no mercado financeiro, entre os analistas que acompanham o dia a dia da Petrobras, é que “baixar preço é fácil, mas subir é outra história”, principalmente em meio à pressão pública de Bolsonaro, que desclassifica os critérios de precificação da estatal ao chamar o reajuste da empresa desta semana de “manobra”. Segundo dois analistas consultados pelo Valor, sob a condição de anonimato, embora as ações da companhia comecem o dia em alta, a interferência do governo nos preços da companhia é, hoje, o principal risco que paira sobre o valor dos papéis da empresa na bolsa.
Uma das fontes, de um importante banco de investimentos, estima que, mesmo com o reajuste de 12% desta semana, a defasagem dos preços da gasolina, em relação à paridade internacional, é de 25%. A Abicom, representante dos importadores de combustíveis, os principais concorrentes da estatal no abastecimento ao mercado interno, estima que a Petrobras está vendendo o litro da gasolina entre R$ 0,35 e R$ 0,44 abaixo da paridade, dependendo do polo de suprimento.
A Petrobras já reduziu os preços da gasolina este ano, nas refinarias, em 46,5% e o do diesel em 44,1%. Para efeitos de comparação, a cotação do barril do tipo Brent, referência global para o preço do petróleo, acumula uma baixa de 50,5% (segundo contrato) — vale lembrar que, na conta da estatal, entra não só a variação do preço internacional do petróleo, mas também o câmbio e estratégias de captação de participação de mercado, por exemplo.
O reajuste desta semana, portanto, foi, em certa medida, uma tentativa da Petrobras de reduzir sua defasagem, depois de dois meses seguidos de cortes consecutivos na tabela de preços nas refinarias. O receio, agora, é que esse movimento seja interrompido.
Esta não é a primeira vez que Bolsonaro coloca o comando da estatal contra a parede, depois de uma alta dos preços. Em abril do ano passado, as ações da empresa desabaram na bolsa, após o presidente pedir, em telefonema ao presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, que a estatal suspendesse o reajuste de 5,7% nos preços do diesel, em meio às ameaças de uma nova greve dos caminhoneiros. Na ocasião, Castello Branco disse que houve “interferência zero” no caso.
Em evento on-line esta semana, na véspera do anúncio do reajuste, o executivo voltou a dizer que não há qualquer resistência aos reajustes da estatal e que a empresa está pronta para aumentar os preços sempre que julgar necessário.
Um ano depois de negar interferências na estatal, Bolsonaro volta a cair na retórica intervencionista. A manifestação presidencial joga contra o discurso de Castello Branco e não ajuda a eliminar as desconfianças histórica dos investidores sobre a autonomia da empresa.
Em menos de um ano e meio de mandato, Bolsonaro acumula uma série de episódios em que deu sinais de intervir no dia a dia da estatal. A Petrobras, aliás, é figurinha recorrente nas redes sociais do presidente.
Cada redução dos preços dos combustíveis é comemorada no Twitter. No último dia 29 de fevereiro, por exemplo, ao anunciar que a estatal já havia reduzido cinco vezes o valor dos combustíveis nas refinarias e este é o quinto anúncio, disse que “seguimos fazendo nossa parte e trabalhando para melhorar a vida dos brasileiros”.
Em suas declarações, Bolsonaro frequentemente atropelou os ritos de comunicação da companhia. Em vezes passadas, já se antecipou à Petrobras ao anunciar que não haveria reajustes imediatos nos preços e anunciou, por exemplo, que decisões da empresa, como rompimento do contrato de patrocínio à Fórmula-1 e a revisão dos contratos de patrocínio cultural, foram determinadas por ele próprio.
O grau de autonomia da Petrobras já havia sido colocado em xeque desde os primeiros dias de governo, quando Castello Branco indicou um amigo particular de Bolsonaro, Carlos Victor Guerra Nagem, para a gerência-executiva de inteligência e segurança da empresa.
Os sinais de interferência do governo no dia a dia da companhia — todos eles negados pela empresa — são vários. Há um ano, a Petrobras decidiu romper o contrato de serviço prestado pelo escritório de advocacia do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), menos de uma semana após o embate público entre Felipe Santa Cruz e o presidente Jair Bolsonaro. Questionada, a Petrobras esclareceu que exerceu o direito de rescisão unilateral dos dois contratos de prestação de serviços jurídicos firmados entre as partes e que a decisão se deu “estritamente nos termos previstos em contratos”.