ARTIGO: A era da exuberância irracional no uso do petróleo
Nesta era de frequentes acontecimentos surpreendentes que vivemos nos últimos cinco anos, alguns pensadores do setor energético estão alertando para a formação de uma bolha de entusiasmo otimista e irreal em relação ao petróleo americano - uma mudança reconhecida por muitos que, caso se concretize, pode perturbar a geopolítica dos Estados Unidos até o Oriente Médio e além.
Há uma mudança em curso, mas não teremos um novo mundo, diz Dan Pickering, copresidente da Tudor, Pickering Holt, firma de Houston que investe em energia.
O novo modelo de abundância segue a seguinte lógica: os americanos consomem atualmente cerca de 18,5 milhões de barris de petróleo por dia, dos quais cerca de 8,5 milhões são importados. Mas, nos próximos anos, os Estados Unidos terão acesso a outros 10 a 12 milhões de barris diários, obtidos com o petróleo de xisto argiloso (folhelho), com as jazidas canadenses de areia betuminosa, com as reservas das profundezas do Golfo do México e com a produção marítima brasileira. Se tudo isso for somado, e levarmos em conta o declínio no consumo, o que temos não é apenas uma autossuficiência hemisférica, mas também a superação do volume produzido por Arábia Saudita e Rússia, o que faria dos EUA os maiores produtores de petróleo.
Pickering diz que o cálculo é "um sonho otimista" alicerçado numa extrapolação dos dados. Excluído o Brasil, cujos números ele considera difícil precisar, Pickering prevê crescimento na produção americana de petróleo de cerca de 2,5 milhões de barris por dia - até 1,5 milhão obtido do petróleo de folhelho, e 1 milhão de barris vindos do Canadá. Ele diz que, em 2020 e além, os EUA continuarão a importar de fora da América do Norte cerca de 6 milhões de barris por dia.
Tecnicamente, isso não faz de Pickering uma pessoa cuja opinião destoa das demais: a Energy Information Administration (EIA), agência oficial que acompanha o setor, também diz que os EUA continuarão um grande importador nos próximos dez anos; a previsão da EIA é maior do que a de Pickering - 7,5 milhões de barris importados por dia em 2020, o equivalente a 40% da demanda americana.
Mas, na prática, Pickering se transforma em voz dissonante porque, de acordo com as opiniões de diferentes diretores executivos e analistas da indústria, o problema da EIA é a sua lentidão; essas pessoas dizem que as estimativas da EIA para a produção de petróleo obtida do folhelho são muito conservadoras, assim com a agência subestimou o boom na produção americana de gás extraído do folhelho que inundou o mercado e alterou parte do cálculo global dos suprimentos energéticos. (A agência não foi a única a subestimar esse fator.)
Diz Pickering: "Sempre que temos uma mudança numa tendência que já dura 20 anos, as pessoas ficam animadas, e a tendência na produção americana nos últimos 20 anos foi descendente. De repente, temos agora produção significativa. Assim, essa nova tendência é um ponto de partida animador. Mas, quando ouvimos as empresas do petróleo falando no número de poços que pretendem perfurar e no nível de produção que esperam gerar, temos a impressão de que tais empresas analisam as previsões e somam os resultados. Eles se esquecem do declínio natural na produção, e extrapolam de 400 para 1.200 o aumento no número de plataformas de perfuração nos EUA, dizendo: \'Vamos continuar acrescentando plataformas e intensificar a perfuração de poços\'. Essa extrapolação é um pouco perigosa".
"Por um lado, temos a animação provocada pela mudança na tendência, algo que considero válido; um novo estágio está sendo desenvolvido, o que também é válido. Mas temos também a tendência de extrapolar, coisa que tem efeitos negativos. Assim, o entusiasmo tem embasamento concreto e vamos crescer muito. Mas a ideia de que viveremos uma situação de autossuficiência não passará de um sonho otimista enquanto não forem implementadas mais mudanças, como uso do gás natural nos veículos." / Tradução de Augusto Calil
O Estado de S. Paulo (Artigo) Steve Levive**Foreign Policy