As seis medidas do governo Bolsonaro que contrariaram o setor de biocombustíveis
O adiamento do prazo para as distribuidoras de combustíveis que atuam no país comprovarem o atendimento às metas de descarbonização em 2022 não foi um ato isolado do governo de Jair Bolsonaro contrário aos interesses dos produtores de biocombustíveis do país. Desde o início, o governo implementou outras medidas que restringiram o mercado ou retiraram diferenciais competitivos do etanol e do biodiesel nacionais, gerando críticas no segmento. São elas:
1) Aumento da cota de importação de etanol
Quando Donald Trump ainda ocupava o Salão Oval da Casa Branca, o governo de Jair Bolsonaro costurou diversas iniciativas que favoreceram o republicano, sobretudo às vésperas das últimas eleições presidenciais americanas.
Ainda em setembro de 2019, após gestões do então chanceler Ernesto Araújo, o ministro da Economia, Paulo Guedes, autorizou que a cota de importação de etanol com isenção da Tarifa Externa Comum (TEC) do Mercosul, de 20%, fosse ampliada de 600 milhões para 750 milhões de litros.
A medida agradou à base ruralista de Trump nos Estados produtores de milho –principal matéria-prima do etanol nos EUA –, mas desagradou sobretudo às usinas de etanol do Nordeste brasileiro, que sofrem mais com a competição do etanol importado.
2) Postergação da cota de importação de etanol
Um ano depois, quando a cota anterior expirou – e meses antes das eleições americanas –, o governo Bolsonaro voltou a usar o etanol para agradar Trump. O Brasil prorrogou a cota isenta de tarifa por três meses, válida para 187,5 milhões de litros.
Nesse caso, houve uma contrapartida: os EUA concederam uma cota adicional de importação de 80 mil toneladas de açúcar brasileiro para aquela temporada.
Na época, porém, representantes das usinas brasileiras alertaram que a vantagem era “significativamente inferior” ao benefício concedido aos americanos.
3) Redução e posterior suspensão da tarifa de importação de etanol
O governo incluiu o etanol na lista de produtos que ficariam isentos da Tarifa Externa Comum (TEC) até o fim do ano, como uma das medidas para tentar conter a inflação.
A arbitragem de importação de etanol depende da TEC, da taxa de câmbio e dos preços de etanol no Brasil e nos EUA, principal origem do produto importado. Quando a janela de arbitragem está aberta, importadores podem trazer o produto de fora mesmo quando há produto nacional. Em 2021, o governo já havia reduzido da TEC de importação do etanol – e de vários outros produtos – de 20% para 18% sob o argumento de combate aos efeitos econômicos da pandemia.
O principal efeito da pandemia no mercado de biocombustíveis, porém, foi na demanda, e não na oferta.
4) Redução da mistura do biodiesel no diesel
O Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB), que entrou em vigor com um cronograma de aumento progressivo da mistura de biodiesel ao diesel para até 15% em 2023, foi interrompido no governo Bolsonaro, ainda quando o Ministério de Minas e Energia (MME) estava sob o comando do almirante Bento Albuquerque.
Em abril de 2021, quando ainda vigorava o modelo de comercialização de biodiesel via leilões públicos, o MME realizou a primeira redução de mistura, de 13% para 10% para o leilão L-79, que abasteceu o mercado em maio e junho de 2021. Mas o corte não parou por aí.
A gestão de Albuquerque reduziu a mistura nos leilões L-80 (para 10%), L-81 (para 12%) e L-82 (para 10%), mantendo a mistura abaixo do previsto no cronograma inicial em todo o segundo semestre de 2021. O revés mais forte foi para 2022, ano para o qual o governo definiu o teor de mistura em 10%, ante os 13% inicialmente bem abaixo do cronograma inicial, que previa 13% em janeiro e fevereiro e 14% de março em diante.
O setor argumenta que foram feitos investimentos em ampliação de capacidade industrial para atender ao cronograma de mistura de biodiesel, e que agora a ociosidade é grande.
5) Proposta de corte linear de impostos entre combustíveis fósseis e renováveis
As iniciativas que partiram do Executivo para reduzir impostos e conter os preços dos combustíveis na bomba não levaram em consideração o diferencial já existente anteriormente entre as alíquotas que incidiam sobre combustíveis fósseis e os de origem renovável.
Ainda em março, pouco depois que a guerra na Ucrânia começou a afetar os mercados de energia no mundo, o governo começou a cogitar zerar o PIS/Cofins sobre a gasolina.
O presidente também defendeu o projeto de alíquota única de ICMS sobre os combustíveis. E isso embora alguns Estados aplicassem então alíquotas reduzidas para o etanol. O governo também apoiou o projeto apresentado pelo deputado Danilo Forte (PSDB-CE) que limitou o ICMS sobre combustíveis em geral a 17%, já que a medida teria importante impacto desinflacionário.
A proposta que buscou retomar o diferencial tributário dos biocombustíveis ante os fósseis partiu do Senado, após pressão do setor produtivo, e se tornou a PEC 15/22, que depois foi apensada com outras propostas que garantiram uma série de benefícios sociais antes das eleições.
6) Adiamento do prazo de cumprimento das metas de CBios de 2022
O incômodo mais recente entre os produtores de biocombustíveis e o governo federal é o decreto que postergou o prazo para as distribuidoras comprovarem suas metas de descarbonização de 2022, realizadas através da compra dos Créditos de Descarbonização (CBios).
Agora, as metas deste ano poderão ser comprovadas até setembro de 2023, e não mais em dezembro. O argumento usado pelo governo foi a forte alta do preço dos CBios – que, segundo pequenas distribuidoras, poderia ter reflexos nos preços de combustíveis fósseis nas bombas em algumas localidades.
As indústrias produtoras de biocombustíveis, porém, ficaram contrariadas com a medida e ainda esperam revertê-la. O receio agora é que o governo avance sobre outras regras do programa RenovaBio.
O programa foi criado em 2017, no governo de Michel Temer, para determinar o espaço dos biocombustíveis na matriz energética de acordo com seu benefício ambiental. Mas sua operacionalização, com a criação de metas para as distribuidoras e a comercialização de CBios, só começou em 2019, já no governo Bolsonaro.
Medidas em discussão
Além das medidas citadas, os produtores de biocombustíveis ainda têm no radar outras medidas em discussão que causam preocupação. Uma delas, já aventada pelo Ministério de Minas e Energia (MME), é a possibilidade de permitir a importação de biodiesel.
Outra é como será a política de comercialização de diesel renovável (feito de biomassa, mas com mesma composição química que o diesel fóssil) e do diesel coprocessado com biomassa da Petrobras – o HBio. O receio é de que o diesel renovável ou o HBio “ocupem” parte do mandato atual de biodiesel.
Medidas polêmicas
Houve também medidas do governo Bolsonaro a respeito dos biocombustíveis que geraram reações divergentes no setor produtivo ou da sociedade civil.
O fim dos leilões de biodiesel gerou, no início, preocupações entre alguns representantes da cadeia produtiva sobre a fiscalização da política de mistura do renovável e sobre o poder de concentração de mercado e seu efeitos em preços. A medida que permitiu uso de soja importada para produção de biodiesel desagradou à indústria mais verticalizada e que também comercializa soja em grão, mas agradou à indústria que compra óleo de soja processado.
No segmento da cana, o fim do zoneamento climático, que retirou a barreira que havia ao financiamento com crédito público ao cultivo da cana na Amazônia, também foi criticada por ambientalistas, embora representantes de usinas tenham dito que a medida pouco mudaria a geografia da produção da cultura no país.
Por fim, a permissão para a venda direta de etanol agradou às usinas do Nordeste e Centro-Oeste, mas empolgou pouco as do Sudeste e do Sul.
Autor/Veículo: Valor Econômico