Biodiesel em xeque
A indecisão do governo sobre o futuro da política para o biodiesel já se traduz em redução de investimentos no setor. Para ampliar ou construir uma nova planta produtora é necessário registrar o projeto na ANP. E no fim do ano passado, o número de autorizações para isso foi o menor desde o início de 2010, quando a adição obrigatória do biocombus-tível no diesel fóssil chegou ao patamar atual, de 5%. Em seus registros, a agência possui apenas duas unidades com autorização para construir. O único projeto de porte é da Camera, com capacidade de até 650 m3/dia de biodiesel, em Estrela (RS). A construção segue em ritmo lento, aguardando um posicionamento claro do governo sobre o setor. Esse é também o único projeto registrado na ANP em 2013. O outro projeto autorizado é uma usina de pequeno porte, de 50 m3 diários, da empresa De Paula, em Ariquemes (RO), cuja intenção de construção foi registrada na agência em 2011. Esse volume, de apenas 700 m3/ dia autorizados para construção greenfield, é um indicativo de como o setor desacelerou nos últimos anos. No fim de 2012, o volume autorizado para construção era recorde: nada menos que 4.114 m3 diários, distribuídos em dez projetos. O mesmo ocorreu com as ampliações, que também desaceleraram e se limitam a concluir os projetos já iniciados. São 626,7 m3/dia, em quatro usinas. Apesar de não estar muito distante da média histórica, o volume está em queda desde o início de 2013, confirmando a maior queda desde que o B5 foi adotado no país. Sobreoferta Esse baixo investimento também é reflexo da grande sobreoferta de capacidade no setor, que fechou 2013 com ociosidade acima de 60%. Capazes de ofertar cerca de 7,9 bilhões de litros de biodiesel por ano, as usinas hoje poderiam produzir biocombustível suficiente para atender a uma mistura de 13%. No ano passado, o consumo de biodiesel ficou em 2,9 bilhões de litros. Essa sobrecapacidade é fruto do grande sucesso nos primeiros anos do programa de biodiesel, cuja adição obrigatória foi iniciada em 2008. Apenas dois anos depois, houve a antecipação do patamar de 5% de mistura no diesel, inicialmente previsto somente para 2013. Essa rápida escalada levou os empresários a investir. Um indicativo da sobrecapacidade é o interesse reduzido nos leilões promovidos pela ANP, a principal alternativa para negociação de cargas de biodiesel. No ano passado, apesar de cerca de 60 usinas estarem habilitadas a comercializar biodiesel, só dois terços delas ofertaram algum volume em cada edição. A oferta fica na casa dos 60% do volume total que poderia ser disponibilizado ao mercado. Exportação Se o mercado interno não mostra sinais de crescimento para viabilizar mais investimentos, o exterior também não é uma alternativa atrativa. Segundo os produtores, a cadeia de tributos do país deixa o biodiesel brasileiro sem competitividade lá fora. "Há um desestímulo à exportação de produto com valor agregado", lamenta Júlio Minelli, diretor superintendente da Associação dos Produtores de Biodiesel do Brasil (Aprobio). O cenário piorou com o fim do Regime Especial de Reintegração de Valores Tributários para as Empresas Exportadoras (Reintegra), em dezembro de 2013. Já foram realizados testes no mercado externo. A BSBios, associadada da Aprobio, exportou no ano passado um total de 34 mil t de biodiesel com destino a portos na Holanda, na Bélgica e na Espanha. O resultado das vendas ainda não foi considerado como economicamente viável pela empresa. Indústria sem previsão A indústria do biodiesel iniciou 2014 da mesma forma que começou nos últimos dois anos: aguardando um posicionamento definitivo do governo em relação ao futuro do programa do bioombustível. Desde 2010 o segmento pede uma indicação de quais serão os próximos passos para um aumento de mistura, estagnado em 5% desde janeiro daquele ano. Nesse período, o governo acenou diversas vezes com a intenção de ampliar a participação do biodiesel na matriz energética brasileira, mas os contatos com empresários do setor não se concretizaram em ações. Apesar dos adiamentos sucessivos e da falta de informação, o setor confia em que o novo marco re-gulatório seja publicado ainda este ano. A esperança reside ora na incredulidade de que o governo simplesmente abandone um programa bem avaliado, ora na crença de que as principais questões que impediriam a expansão da mistura já foram pacificadas. De acordo com os empreendedores, estudos recebidos pelo governo mostram impacto baixo ou nulo na inflação e benefícios para a cadeia produtiva, além das externalidades positivas, como a redução de emissões de gases nocivos ao meio ambiente. "É uma decisão política que falta o governo tomar. Essa indefinição traz muitas perdas econômicas para o Brasil", opina o deputadoI federal Jerônimo Goergen (PP/RS), presidente da Frente Parlamentar do Biodiesel, que conta com 204 deputados federais e oito senadores. Os empresários informam terem ouvido do ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, no fim de 2013, que o texto da medida provisória com o novo marco regulatório já foi encaminhado ao Palácio do Planalto. Desde outubro passado, contudo, quando o governo buscou novamente o setor para retomar negociações a fim de elevar a mistura obrigatória de biodiesel no diesel, pouco ou nada foi feito. A última notícia é que o texto foi outra vez encaminhado ao Ministério da Fazenda e ao Banco Central para reavaliação. Banda de flutuação Apesar de não terem tido contato com o texto final, os investidores contam que a proposta que ganhou força nessa última reavaliação do governo foi a de criação de uma banda entre 5% e 10% para adição de biodiesel no diesel A. Com esse artifício legal, o governo teria mais controle sobre os possíveis impactos negativos e poderia alterar mais fácil e rapidamente a proporção. A metodologia é semelhante à aplicada ao etanol anidro, cuja banda varia entre 18% e25% de adição à gasolina. Além dos produtores, a Petrobras também deverá ser beneficiada com a elevação da mistura de biodiesel. Como a companhia não produz óleo diesel suficiente para atender à demanda do mercado, cada litro de biodiesel no mercado é um a menos de diesel fóssil que precisa ser importado. Cálculos feitos pela Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) revelam que a petroleira poderia economizar R$ 2,3 bilhões em importações de diesel em 2014, caso o país já estivesse com B7. "É péssimo para a indústria. Estamos exportando PIB e emprego", avalia Leonardo Zilio, assessor econômico da entidade. O benefício à empresa vai além, pois, com a atual política de preços - que mantém o diesel interno mais barato que no mercado internacional -, cada litro importado é contabilizado como prejuízo para a Petrobras. Redução da capacidade Com o programa e investimentos estagnados, a capacidade de produção de biodiesel começou a declinar em 2013. Pela primeira vez, desde a adoção do B5, houve perdas mensais consecutivas na capacidade instalada. Após o pico de 23,05 mil m3/dia, atingido em setembro, a indústria fechou o ano com queda de 4,7%, com capacidade de produzir 21,96 mil m3/ dia. Apesar de existir sobreoferta no mercado, a ocorrência disso pela primeira vez chama a atenção. Seis usinas perderam autorização da ANP para produzir. A redução de capacidade segue em 2014. No início de fevereiro, a ANP revogou a autorização de usina de 100 m33/dia da JBS em Colíder (MT).
Revista Brasil Energia