Brasil está se tornando um país caro

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Produtos e serviços brasileiros estão mais caros no comparativo com preços de artigos similares ofertados nos Estados Unidos. Com isso, para o turista norte-americano que chega aqui, as despesas ficam caras, inibindo gastos. Já para o brasileiro que viaja para lá, as compras e atividades de lazer estão, em geral, mais baratas. Um dos fatores criadores desta nova tendência é a valorização da moeda brasileira, de 72,5% em menos de 10 anos, segundo estudo da Economática divulgado na edição de final de semana desta Tribuna.


Como efeito colateral, um dos ícones do turismo de Salvador, o Mercado Modelo, sente a queda nas vendas, de acordo com relatos de alguns comerciantes. Um exemplo desta discrepância de preços é o litro da gasolina, cerca de US$ 1 (ou R$ 1,55) no mercado norte-americano. No Brasil, o valor médio do combustível é de R$ 2,76, conforme último balanço divulgado pela Agência Nacional do Petróleo (ANP) – diferença de 80% entre os dois países, confrontando valores na mesma moeda. O Brasil é considerado também o país com o preço do tablet mais caro do mundo, custando a partir de cerca de R$ 1.700.


“Em Economia tudo tem vantagens e desvantagens”, destaca o vice-presidente da Associação Nacional de Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), Miguel José Ribeiro de Oliveira. Para Oliveira, a carga tributária é outra causa do encarecimento do produto brasileiro. “Os produtos brasileiros pagam em média 40% em tributo, podendo chegar a 70%.


Nos Estados Unidos, os impostos são mais baixos, em torno de 10% a 12%”. Ainda segundo o executivo, o crescimento do número de famílias na classe C ampliou o consumo acima do aumento da capacidade de produção da indústria nacional. Demanda mais alta do que oferta pressiona a inflação. “Na de carro (por exemplo), está todo mundo oferecendo descontos”, citou.  Reverter este quadro é um dos desafios atuais do governo brasileiro, destaca Oliveira.


O crescimento inflacionário reflete também este processo. O INPC, do IBGE, fechou em 3,86% entre janeiro e junho, o que representa a maior variação desde 2003. No ano passado, quando a inflação alcançou 5,92%, o acumulado no mesmo período foi 3,09% de variação para cima, conforme o coordenador de Disseminação de Informações do IBGE na Bahia, Joílson Rodrigues. No acumulado anualizado (julho 2010-junho2011), a inflação brasileira está em 6,17%.


Segundo pesquisa da Federação do Comércio do Rio de Janeiro, está se perdendo no Brasil o hábito de pesquisar o melhor preço. Dados do levantamento, realizado desde 2007, mostram que a fatia de entrevistados que não sabe quanto paga em tarifas de banco subiu de 60% para 63% de abril de 2010 para abril de 2011.


“A boa notícia é que a desigualdade encontra-se em queda - não só pelo efeito câmbio, também bolsa-família, salário mínimo - e que o consumidor-trabalhador brasileiro está em alta, comprando importados ou produtos negociados no mercado internacional a um preço módico, a pleno emprego com salários em alta.


Isto difere de outros BRICs”, ressalta o pesquisador da Fundação Getúlio Vargas, Marcelo Neri. “Os 20% mais ricos do Brasil tiveram na década passada um crescimento inferior a dos 20% mais ricos de todos os BRICs (Rússia, Índia, China e África do Sul, além do Brasil), já nos 20% mais pobres acontece quase o oposto”, frisa o estudo Os Emergentes dos Emergentes, coordenado pelo próprio Neri.


Exemplos - Uma refeição em um restaurante de bom nível nos Estados Unidos chega a sair por US$ 14 a US$ 15 (em torno de R$ 22), enquanto aqui em Salvador não saem por menos de R$ 35. Para beber num encontro mais descontraído e num espaço entre os mais luxuosos uma taça boca larga de margarita - equivalente a três doses - custa US$ 10 (R$ 16), valor próximo ao cobrado no Brasil, em instalações mais modestas. Entre os produtos, um conjunto de roupa infantil – zero a 36 meses – custa entre US$ 8 e US$ 10, cerca de 3 vezes o valor praticado numa loja de departamento do Brasil.


O levantamento dos preços nos Estados Unidos é de um empresário que esteve nos EUA em junho. Um Ipod em Orlando é vendido entre US$ 230 (R$ 350), no modelo de 8 gigas, até US$ 400 (R$ 620), no aparelho com 64 gigas.Os dados foram levantados por um estudante de nível médio, que participou de uma excursão à Disney.


Segundo o site Buscapé, no mercado nacional estes produtos variam de R$ 603  a R$ 910 (8 gigas) até R$ 610 - R$1439 (64 gigas). Uma máquina fotográfica último modelo (cujas imagens, que colocadas em uma TV HD, podem ser vistas em 3D) é comprada por US$ 300 (R$ 465), enquanto uma similar nacional é ofertada no site Submarino a R$ 699 na promoção, com preço padrão de R$ 999.


Já a filmadora foi encontrada nos EUA pelos mesmos US$ 300, e no Brasil o equipamento é vendido por R$ 499 a R$ 999. Os turistas brasileiros com passagens marcadas para os Estados Unidos devem ter cuidado. Atrações como a Disney apresentam entradas a US$ 70 (R$ 109) ou mais de US$ 100 (R$ 155).  O Cirque du Soleil tem entradas entre US$ 125 e US$ 130. (R$ 190 a R$ 200), de acordo com a agência de viagem Kontik.


Na Bahia, o encarecimento dos produtos brasileiros está visível no Mercado Modelo. Mesmo sendo alvo preferencial de turistas, incluindo os que chegam de navio, o movimento não é espelhado no retorno das vendas. “De 30 a 40 pessoas que atendo por dia, só umas sete a oito realmente compram alguma coisa e a maior parte da venda é de produtos pequenos”, cita Clovis Vaz, há 40 anos no local. O comerciante avalia que as dificuldades dos lojistas no Mercado Modelo são influenciadas pela valorização do real. “Em 2004, US$ 1 equivalia a sete postais. Hoje não se compra duas unidades. O cartão-postal vale R$ 1”, conta.


Segundo Vaz, para conseguir vender algo, a margem de lucro cai bastante. Na miniatura de orixá que serve como imã de geladeira, o vendedor vende quatro unidades por R$ 5 e na obtenção do produto ele investe R$ 2,6, sobrando uma receita líquida de R$ 2,4. Glberto Abdala foca na diversidade de produtos para poder sobreviver e endossa a dificuldade das vendas no local. “Todo dia passam pelo Mercado Modelo mil pessoas, mas isso não significa que elas são visitantes e nem que vão comprar alguma coisa. Muitos passam só para cortar caminho”, disse.


Já Iraildes Conceição, gerente de outro stand no Mercado Modelo, diz que o período de férias no sul do país deve representar uma melhoria no movimento. Para a comerciária, o segredo é aliar produto criativo, símbolo da cultura do país, com promoções. “Vendemos muitos produtos quatro unidades por R$ 20, três por R$ 20”.  

Tribuna da Bahia