Coluna: Quem pagará a conta do carro elétrico?
Os fabricantes de veículos decidiram não esperar pela infraestrutura pública de carregamento de baterias para lançar carros elétricos no Brasil. A aposta do setor é que o consumidor com alto poder aquisitivo se interessará pela novidade e se dará por satisfeito com os kits oferecidos pelas montadoras para carregar as baterias em casa. Dispensará, assim, a necessidade de postos de carregamento semelhantes aos que existem na Europa.
Para a pessoa que usa o carro em centros urbanos, basicamente para ir e voltar do trabalho e outros trajetos curtos, uma única carga, calculam os fabricantes, será suficiente para toda a semana. Em geral, a autonomia de uma bateria completa permite rodar entre 240 e 300 quilômetros. Assim, quem não percorre mais do que 50 quilômetros por dia não teria com o que se preocupar.
Se pensarmos na transformação pela qual o automóvel vai passar nos próximos anos, a eletrificação é um caminho sem volta. Trata-se do primeiro passo para uma série de avanços tecnológicos que estão a caminho, como veículos que se moverão sem motorista. Muitas certezas, mas também muitas dúvidas envolvem o carro elétrico. Depende de que país estamos falando.
O brasileiro, em geral, entusiasma-se com o tema. À pesquisa que a Nissan apresentou na semana passada durante o lançamento do Leaf, seu modelo 100% elétrico, 56% dos entrevistados responderam achar que veículos movidos a eletricidade serão uma realidade no Brasil num prazo de dez anos. Entre os que disseram que gostariam de ter um carro assim, mais de 70% apontaram a preocupação com a questão ambiental como motivo.
À primeira vista, o apelo do elétrico é, de fato, fascinante. Um vídeo exibido pela Nissan na apresentação do Leaf simula um elétrico circulando na avenida de uma grande cidade do Japão. Como esse tipo de veículo não faz nenhum ruído, outros sons começam a ser notados pelas pessoas, como pássaros cantando. Quem não gostaria de viver numa cidade assim?
O carro elétrico, no entanto, ainda provoca grandes discussões em todo o mundo. O preço, ainda elevado na comparação com outros veículos, é um dos maiores empecilhos à produção em massa. Governos de vários países da Europa e os Estados Unidos oferecem bônus ao consumidor que trocar seu carro convencional por um eletrificado. Na França, o incentivo com dinheiro público é de € 6 mil, o que equivale, mais ou menos, a 20% do valor do carro. Os valores são semelhantes na China e nos EUA.
É por causa de incentivos que na Noruega quase a metade dos carros vendidos hoje são movidos a eletricidade. Além dos descontos, o país provavelmente é o que oferece melhor infraestrutura para carregar baterias em pontos públicos.
Mas é interessante notar como em outras nações que também oferecem incentivos a participação do elétrico nas vendas ainda é pequena: 2,1% na França e nos Estados Unidos. Na China, onde o governo determinou a eletricidade como matriz energética veicular, modelos elétricos representam 4,4% do mercado.
No caso da Europa, o incentivo atende à ambiciosa meta de redução de quase 40% no nível de emissões de dióxido de carbono, por veículos, entre 2020 e 2030. Mas isso tem provocado discussões na indústria.
Numa recente visita ao Brasil, Carlos Tavares, presidente mundial da PSA Peugeot Citröen, queixou-se do “excesso de ingerência dos governos” na decisão sobre matrizes energéticas. Segundo ele, o elétrico não pode ser visto como solução única. Além disso, as exigências governamentais impõem aumentos de custos que podem “transformar o automóvel em uma mobilidade elitista”.
No Brasil, o elétrico mais barato, o modelo Renault Zoe, custa R$ 150 mil. O Leaf sai por R$ 195 mil. Em maio, o primeiro modelo Jaguar elétrico começou a ser vendido no país por R$ 437 mil. Em geral, a indústria tem colocado vários itens de tecnologia para fazer dos elétricos um desejo de consumo que vá além de ser carregado numa tomada. O presidente da Nissan do Brasil, Marcos Silva, reconhece que a indústria está longe de desenvolver um popular elétrico. Mas, diz, vai chegar lá.
Ninguém no Brasil consegue imaginar que um governo que luta para sair do déficit fiscal poderia oferecer descontos para carro elétrico. Além disso, parte das montadoras e outros entusiastas do etanol argumentam que um país que encontrou na cana-de-açúcar uma opção de energia alternativa não precisa perder tempo num projeto elétrico.
Mas essa não é a única questão. Apesar de fascinado pela novidade, o consumidor tem várias dúvidas. Quem vai pagar a conta de energia na garagem de um edifício residencial? E se esse prédio for muito antigo? E se dezenas de donos de carros elétricos decidirem carregar as baterias na garagem do escritório? A indústria automobilística nunca foi tão questionada.
Marli Olmos é repórter especial do Valor