Combustíveis ou cafezinho: o que fica mais caro com incêndios em canaviais?

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Áreas de uso agropecuário, como plantações de cana-de-açúcar e pastagens, concentraram 81,29% dos 2,6 mil focos de fogo no estado de São Paulo, entre os dias 22 e 24 de agosto, de acordo com uma análise feita pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam). Parte desses incêndios é atribuída a atividades criminosas. E na medida que os números começam a ser contabilizados, o brasileiro se pergunta se a conta de prováveis perdas nas áreas produtivas vai ser paga por ele. As avaliações iniciais indicam que os efeitos dos incêndios não devem se traduzir imediatamente nos preços dos combustíveis, mas podem trazer um gosto amargo para o cafezinho de todo dia.

Marcus D´Elia, sócio da Leggio Consultoria, especializada em petróleo, gás e renováveis, explica que apesar dos incêndios observados em algumas áreas canavieiras do Sudeste brasileiro ocorrerem num momento de colheita da cana-de-açúcar isso não deve se traduzir em impacto na produção de etanol desta safra e sim em uma potencial perda na próxima safra 24/25. Com isso, no curto prazo, o preço do combustível etanol não deve ser reajustado.

“A partir dos números publicados até o momento, pode-se dizer que as perdas não serão grandes. A estimativa é de que sejam em torno de 2%, mas não é possível afirmar dado que outros fatores mais significativos irão influenciar os volumes da próxima safra. Portanto, as queimadas não deverão impactar o preço do etanol imediatamente, se avaliarmos apenas o volume de produção", diz.

Comentário semelhante faz Amance Boutin, especialista em combustíveis da Argus, empresa de produção de relatórios e análises de preços para o mercado de combustíveis e agricultura.

“O que percebemos ao ouvir o mercado é que não devemos ter impactos no preço do combustível. Olhando para a gasolina, o preço praticado pela Petrobras está muito próximo das cotações internacionais, então não há motivos para uma alta repentina. Nas distribuidoras os estoque estão equilibrados e não há motivos para uma ‘guerra de preços’. Mas o cafezinho, esse sim, pode ficar mais caro porque a conta dos canaviais vai para o açúcar”, diz.

A explicação é dada pelo contexto. O mês de agosto é considerado o período de pico de colheita da cana-de-açúcar no Centro-Sul. E os incêndios foram o “estopim” numa safra caracterizada pela perda de qualidade da matéria-prima, dada a “idade avançada” dos canaviais, e a escassez de chuvas, explica o especialista da Argus. Esses foram alguns dos motivos para que as casas de análises e, também, a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) reduzissem suas estimativas. A Conab ajustou para 42 milhões de toneladas o esperado para produção de açúcar no Centro-Sul na safra 2024/25, redução de 700 mil tonelada quando comparado com a projeção anterior.

E, tudo isso, claro, pressiona os preços.

O temor sobre os eventuais efeitos dos incêndios na produtividade do maior exportador mundial de açúcar rapidamente se refletiu na bolsa de Nova York. Na segunda-feira, os preços do açúcar nos contratos para outubro terminaram a sessão em alta de 3,53%, para 19,04 centavos de dólar por libra-peso. Ontem (27), o avanço dos contratos do demerara foi de 2,94%, negociado a 19,60 centavos de dólar por libra-peso. O açúcar branco de outubro subiu 4,2%, a US$ 548 por tonelada.

Na avaliação dos analistas Leonardo Alencar, Pedro Fonseca e Samual Isaak, da XP, o mercado reagiu de forma exagerada às notícias, já que ainda é cedo para avaliar os impactos finais sobre a produção de açúcar do Brasil.

Marcelo Filho, analista de inteligência de mercado da StoneX, também diz que ainda é precipitado afirmar que os incêndios vão impactar significativamente a oferta de açúcar, mas avalia que muitas plantas podem rever a porcentagem de matéria-prima destinada para a produção de derivado.

Fato é que bem longe dos balcões de negociações, iniciou-se uma “corrida contra o tempo” para colher e processar a cana o quanto antes. A matéria-prima exposta aos incêndios não pode ser usada para a indústria de alimentos, mas pode ser aproveitada na produção do etanol. Tanto esforço, por outro lado, pode levar à redução da eficiência industrial nas empresas São Martinho e Raízen, as maiores produtoras de açúcar, ponderam os analistas do BTG Pactual.

"Se a cana-de-açúcar afetada for processada rapidamente, não devemos ver uma redução significativa de Açúcar Total Recuperável (ATR) extraído. A principal preocupação com esses incêndios é a necessidade de colher e processar rapidamente a cana-de-açúcar, o que pode levar ao aumento dos volumes de processamento e à redução da eficiência industrial", afirmaram em relatório Thiago Duarte, Guilherme Guttilla, Pedro Soares e Henrique Pérez.

Em comunicados ao mercado atualizando os impactos dos incêndios generalizados, a Raízen informou que 1,8 milhão de toneladas de cana foram afetadas pelo fogo, enquanto na São Martinho as queimadas atingiram 20 mil hectares, que devem gerar perdas de 110 mil toneladas na produção de açúcar. Ambas não foram afetadas diretamente em suas usinas.

Mesmo com as áreas afetadas, os analistas do BTG Pactual consideraram ainda que as duas empresas seguem com potencial de ganhos para os investidores. "Enquanto a Raízen apresenta uma oportunidade de investimento de alto risco e alta recompensa, a São Martinho oferece uma opção mais segura, com um atraente rendimento de fluxo de caixa livre de 8% para o ano fiscal 2026. Ambas as empresas devem se beneficiar de catalisadores de curto prazo, como o aumento dos preços do etanol visando conter a demanda e uma perspectiva otimista de longo prazo sobre os preços do açúcar", cita o relatório.

O BTG Pactual mantém recomendação de compra para as ações da São Martinho, com preço-alvo de R$ 29,35, e recomendação de compra para Raízen, com preço-alvo de R$ 3,27.

*Com informações do Valor PRO, serviço de notícias em tempo real do Valor Econômico

Autor/Veículo: Valor Invest