Crises árabes e do Japão estão transformando o cenário energético
A explosão de Tchernobil, o pior desastre nuclear da história, completará 25 anos no mês que vem. O acidente catastrófico interrompeu, por mais de duas décadas, o desenvolvimento de novos reatores em boa parte do planeta.
Mas, nos últimos dez dias, o mundo observa o desenrolar de uma outra crise nuclear, desta vez no Japão. Especialistas dizem tratar-se de níveis diferentes de radiação em relação a Tchernobil, mas as implicações para a indústria nuclear e o cenário global de energia serão de longo prazo. Os eventos no Oriente Médio também deverão afetar o setor.
Governos em todo o mundo estão revendo seus planos para a energia nuclear, particularmente a China, que tem liderado nos últimos anos esse "revival" atômico.
Pressionados por metas ambiciosas relacionadas às mudança climática, muitos governos, especialmente os de países desenvolvidos, abraçaram a energia atômica, que é de baixo carbono, como uma modalidade-chave em seus mix energéticos.
Esse ressurgimento agora está emperrando por razões de segurança. Ao mesmo tempo em que o setor nuclear enfrentará - na melhor das hipóteses - atrasos significativos na construção de novas usinas e o peso de custos mais altos, deverão surgir também questionamentos sobre a conveniência de outras formas de se produzir energia, como as fontes renováveis e o gás. Ambos serão mais demandados a partir de agora, como forma de compensar a escassez resultante do atraso material dos novos reatores.
Nobuo Tanaka, o diretor-chefe da Agência Internacional de Energia (AIE), advertiu na semana passada que o papel das usinas nucleares no fornecimento energético mundial deverá ser menor que o estimado anteriormente, dado o que ocorreu no Japão. "Construir ou expandir usinas nucleares poderá ser tornar mais caro e demorado", disse. "E isso significa que a opção nuclear pode não ter um papel tão grande quanto o previsto".
A AIE previu, no ano passado, que a demanda por esse tipo de energia cresceria do patamar de 6% em 2008 para 8% em 2035. Mas o efeito japonês no curto prazo já está sendo sentido no mercado. Os preços de gás e petróleo subiram globalmente à medida que o país se viu forçado a importar essas matérias-primas para compensar a produção nuclear perdida.
Os preços do gás e do carvão - as duas principais alternativas para geração elétrica - tiveram altas substanciais. A Royal Dutch Shell, segunda maior empresa do setor petrolífero na Europa, disse estar em negociação com Tóquio para fornecer cargas adicionais de gás natural liquefeito (GNL).
"Os combustíveis não fósseis têm sido atingidos por dois golpes: o desastre nuclear e o preço do gás natural, o que está erodindo completamente a competitividade econômica dos combustíveis alternativos", disse Robin West, chairman da consultoria PFC Energy. "Um terceiro golpe é o fato de os governos encontrarem dificuldades em subsidiar os combustíveis alternativos com a nova realidade econômica. O gás é um grande vencedor, e a vida do carvão será estendida".
Países ricos em gás, como o Catar, são vistos como beneficiários de uma demanda maior. A Austrália, que tem um número significativo de projetos de gás natural liquefeito em construção, poderia se dar bem no longo prazo, se os programas nucleares forem de fato severamente adiados.
Para os grandes grupos internacionais de petróleo e gás, tudo isso tem sido uma ótima notícia. Muitos deles desfrutam de balanços sólidos e caixas cheios, resultado do período de alta nas cotações do petróleo. Ainda assim, o desafio continua sendo o crescimento sustentável na exploração e produção - o que requer acesso a novas reservas.
Anúncios de aumento de orçamento para exploração já foram feitos pelos grandes grupos, mas analistas esperam mais negócios neste ano. Bob Dudley, CEO da BP, liderou esse caminho ao fechar duas alianças estratégicas em um curto período de tempo desde o início do ano, na tentativa de reconstruir o grupo britânico depois do acidente no Golfo do México, no ano passado.
Ambos os negócios dão à BP acesso a grandes reservas em potencial: um swap de ações equivalente a US$ 16 bilhões com a Rosneft, líder no segmento petrolífero russo, conjugado com a exploração de petróleo no Ártico, e a injeção de US$ 7,2 bilhões na Índia através da aquisição de 30% das ações de blocos de gás natural controlados pela Reliance Industries. Além de prenunciar reservas gigantescas, esses negócios podem ser, no futuro, importantes fontes de receita para o resultado global da BP.
Alianças como essas ressaltam também a gradual mudança de poder entre as companhias internacionais de petróleo e as de caráter nacional, cujos países detêm boa parte das reservas.
A maioria das empresas petrolíferas internacionais anunciou recentemente alguma forma de negócio com as representantes nacionais, embora a BP tenha sido, até agora, a única a concordar com um swap substancial.
Philip Lambert, da Lambert Energy Advisory, que prestou consultoria à BP na transação com a Rosneft, afirmou ao "Financial Times" em janeiro que, quando o negócio foi anunciado, a parceria já tinha sido consolidada havia tempos. "As empresas de petróleo nacionais ainda querem a tecnologia das internacionais, mas por si só isso não é suficiente para garantir um acesso sustentável. É preciso haver uma parceria de fato", disse ele.
Muitas dessas petrolíferas nacionais, sobretudo na China, estão se tornando uma força crescente também fora de seus países de origem. A PetroChina, por exemplo, anunciou aquisições externas nos últimos meses, muitas delas focadas no gás de xisto, uma forma de geração elétrica menos convencional.
"As empresas de petróleo nacionais representaram cerca de 20% de todas as fusões e aquisições do mercado no ano passado", afirmou Robert Plummer, analista-sênior da Wood Mackenzie, consultoria em petróleo e gás. "Dez anos atrás, elas mal participavam do mercado".
De acordo com Plummer, algumas dessas empresas estão agora "investindo a uma taxa superior a de grandes empresas internacionais, especialmente quando considerado o investimento por barril produzido".
Muitos analistas argumentam, no momento, que ambos os lados necessitam um do outro, mas ninguém desconsidera que possa ser apenas uma questão de tempo para que as petrolíferas nacionais estejam por cima.
Há ainda outros riscos. As turbulências políticas no Oriente Médio, em particular na Líbia, reforçam o potencial de riscos que as empresas enfrentam em suas buscas por mais reservas de petróleo. A BP vinha se preparando para extrair óleo de águas profundas na costa da Líbia antes da eclosão dos conflitos - e esses planos foram colocados em suspenso. Da mesma forma, a Shell foi forçada a interromper suas atividades de exploração no país.
Peter Voser, executivo-chefe da Shell, afirmou na semana passada que ainda era muito cedo para prever o impacto dos acontecimentos recentes no Oriente Médio e no Japão, tanto para a sua empresa como para a indústria petrolífera como um todo.
Ele admitiu, no entanto, que os eventos foram "uma clara lembrança" de como o mercado de petróleo pode ser afetado. "Estamos vivendo em um mundo altamente interdependente", resumiu Voser.
Valor Econômico