Dúvidas do álcool

em

O Brasil lutou por 30 anos para derrubar as barreiras que impediam o etanol brasileiro de entrar no mercado americano. E agora que caíram as sobretaxas o Brasil está importando etanol dos Estados Unidos. O presidente da ETH Bioenergia, José Carlos Grubisich, disse que o Brasil comprou um bilhão de barris de etanol na safra 2011/2012, mas exportou 1,5 bilhão de litros. Vende produto mais nobre, como álcool para bebidas e alimentos, e compra álcool anidro para a mistura na gasolina. Mesmo assim, é incrível que um país que investiu por décadas para ser o grande fornecedor desse combustível, alternativo à gasolina esteja agora importando os dois produtos.


O que o consumidor que comprou carro flex quer saber é quando haverá álcool a um preço competitivo nas bombas. E talvez isso não aconteça tão cedo. Ismael Perina Júnior, presidente da Organização dos Plantadores de Cana-de-Açúcar do Centro Sul do Brasil, a Orplana, admite que vai demorar um pouco, porque há falta de matéria-prima:


— Não houve renovação dos canaviais nos últimos anos e portanto o Brasil não conseguirá elevar a produção de uma hora para outra. A regularização vai demora ainda um pouco.


O BNDES anunciou um programa de R$ 4 bilhões em empréstimos para a renovação dos canaviais. Sem isso, não adiantaria muito continuar financiando a indústria. Como disse Grubisich, o Brasil hoje não está com problema de demanda, mas sim de oferta:


— Existe uma demanda potencial para 35 bilhões de litros no Brasil, o país já chegou a produzir 27 bilhões e hoje só produz 20 bilhões. Mas, quando em 2020 olharmos para trás, vamos considerar este momento como um incidente histórico, porque nós dominamos todo o ciclo de produção de álcool de cana-de-açúcar e seremos sempre grandes produtores.


Ouvi Perina e Grubisich na Globonews e os dois disseram que tanto para produtores de cana quanto para a indústria de álcool a conjuntura é desfavorável. Nos últimos três anos, houve seca, geada e crise financeira internacional atingindo a produção. A crise pegou vários investimentos na sua fase inicial, e o colapso do crédito impediu que os projetos fossem adiante. Hoje, há um parque instalado de processamento da cana maior do que a capacidade do país de produzir cana.


— A volatilidade de preço é horrível para todo mundo. O governo precisa corrigir a aberração que é o combustível fóssil ser menos taxado que o produto mais sustentável — disse Perina.


Grubisich acha que as decisões já tomadas pelo governo, reduzindo impostos sobre a gasolina para evitar o reajuste do preço ao consumidor, provocaram várias assimetrias:


— Um fato concreto: a gasolina no mercado internacional tem preço mais alto do que a Petrobras vende às distribuidoras. A empresa perde ou deixa de ganhar R$ 0,12 por litro. Isso acaba tendo efeito no mercado do etanol, pela regrinha mágica de que o biocombustível tem que ter um preço até 70% da gasolina para valer a pena a escolha.


A solução, na opinião dos empresários, é desonerar o etanol, tanto de PIS/Cofins quanto de ICMS. E o governo financiar um novo ciclo de investimento.


Evidentemente, não basta dinheiro subsidiado e renúncia fiscal. É necessário ter uma política com uma visão mais ampla desse problema. O passo dado pelo BNDES mostra que o banco sabe que não adiantaria financiar só a indústria, que já tem capacidade ociosa, sem ver que o gargalo está na renovação dos canaviais. Não adianta apostar tudo em cana-de-açúcar sem pensar na segunda geração do etanol, o celulósico, e há notícias de que o BNDES pretende também financiar pesquisas nessa área.


Mas, se a indústria do álcool for incentivada através de redução de impostos ou empréstimos de bancos públicos, que se cobre do setor compromisso com novas atitudes na área ambiental e social. O setor de açúcar e álcool tem um lado moderno e um arcaico, como se sabe há 500 anos. Só pode se apresentar como o substituto sustentável ao produto fóssil se for de fato sustentável.


Com Alvaro Gribel

Miriam Leitão - O Globo - 21/01/2012