Entrevista: O futuro sustentável da Shell

em

O escritor americano Paul Roberts, tido como um dos maiores gurus da indústria petrolífera global, previu em seu best-seller The End Of Oil (O Fim do Petróleo), lançado em 2004, que o mundo encontraria fontes alternativas de energia antes mesmo que as jazidas atualmente conhecidas se esgotassem. O livro também desenhava no horizonte o fracasso dos biocombustíveis e a derrocada das grandes companhias petrolíferas em poucas décadas. A polêmica tese, evidentemente, logo enfrentou uma artilharia de vozes contrárias. Uma delas era a do suíço Peter Voser, então diretor-financeiro da anglo-holandesa Shell, segunda maior produtora de petróleo do planeta, atrás apenas da texana Exxon Mobil.  Naquela época, Voser iniciava sua preparação para assumir o comando mundial da empresa, transição concluída em 2009. A missão do executivo, hoje com 55 anos de idade, o primeiro não britânico a sentar-se na cadeira da presidência, era manter a Shell na vanguarda do setor energético global e provar que ideias apocalípticas como a de Roberts estavam fora do lugar. “Quando cheguei à presidência, apostei que o petróleo seria cada vez mais importante para o mundo por 50 anos, no mínimo, e que a Shell se consolidaria como uma companhia global de energia, não apenas de petróleo”, disse Voser à DINHEIRO, em uma recente visita ao Brasil.  A julgar pela evolução da indústria petrolífera mundial nos últimos anos, o CEO da Shell, um dos mais brilhantes alunos já formados pela Universidade de Zurique, era quem realmente estava certo. No ano passado, o faturamento da companhia sediada em Haia, na Holanda, atingiu US$ 467,2 bilhões, quase 70% superior aos US$ 278,1 bilhões contabilizados no ano em que Voser assumiu o comando, em 2009. As vendas da Shell em 2012, apenas como comparação, foram duas vezes maiores do que as da Petrobras, que faturou US$ 140 bilhões no ano passado. Graças a esse resultado, o plano de investimentos para este ano foi elevado para US$ 33 bilhões, um aumento de 10% em relação a 2012, ignorando o cenário ainda incerto da economia mundial.  Boa parte do orçamento será destinada a projetos de exploração em áreas remotas, como o Ártico e o Cazaquistão. Entre os especialistas do mercado energético, o impressionante salto da Shell em apenas quatro anos, num cenário de crise nas principais economias à exceção da China, pode ser atribuído a dois fatores principais: a alta da cotação internacional do petróleo e a fórmula da diversificação definida por Voser. Entre 2009 e 2012, enquanto as receitas da companhia quase dobraram, sua produção de petróleo cresceu de forma moderada, passando de 3,1 milhões para de 3,3 milhões de barris por dia. “Poucas empresas do mundo souberam se adaptar tão bem às novas demandas mundiais quanto a Shell”, afirma o holandês Peter Heijen, um analista do setor de petróleo, baseado em Amsterdã.  “Além de diversificar suas operações com muita habilidade, a companhia soube agregar valor aos seus produtos, especialmente na gasolina, criando um rentável mercado de combustíveis Premium, cujos resultados dessa estratégia estão expressos nos números”, diz Heijen. No Brasil, a Shell produz atualmente 60 mil barris de petróleo por dia, em média. Embora a Shell esteja avançando com desenvoltura no ramo do petróleo, sua atividade principal, é no setor de biocombustíveis que a companhia aposta todas as sujas fichas para as próximas décadas. A empresa desembolsou US$ 2,2 bilhões no ano passado em projetos de energias alternativas, especialmente em biocombustíveis no Brasil.  Grande parte dos projetos no campo dos combustíveis limpos é mantida em segredo, mas sabe-se que o grande trunfo da Shell tem sido o etanol de segunda geração, produzido a partir do processamento do bagaço e da palha da cana-de-açúcar. No Brasil, os estudos ainda estão em fase experimental, mas certamente representarão um salto sem precedentes quando demonstrarem viabilidade de produção em escala comercial. Na prática, esse etanol é mais eficiente do que o de primeira geração, extraído diretamente da cana, e será de 20% a 30% mais barato do que o combustível que hoje é vendido nos postos de serviços. “Existem vários projetos em andamento no País, incluindo, quem diria, a produção de etanol a partir da casca da madeira”, diz o superintendente da Agência Nacional do Petróleo (ANP), Aurélio Amaral.  “No entanto, nenhum abre tantas janelas de oportunidades quando o etanol de segunda geração.” A Shell sabe que o futuro da produção dos biocombustíveis passa, obrigatoriamente, pelo Brasil. Dados da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica) mostram que o Brasil dispõe de terras suficientes para gerar, com a cana, um quinto do combustível utilizado pela frota mundial de automóveis. Atualmente, o País responde por 30% do mercado de etanol no mundo, atrás dos Estados Unidos, com 58%, que têm o milho como principal insumo. De olho no potencial brasileiro, a Shell se tornou, em 2010, líder mundial no processamento e refino do combustível da cana-de-açúcar, ao unir-se com a Cosan, do empresário Rubens Ometto, na joint venture Raízen.  Com a operação, a Cosan ficou com 51% das ações e a Shell, com 49% na área de produção. Já no segmento da distribuição de combustíveis, os papéis foram invertidos: a Shell detém 51% e a Cosan, 49%. A união colossal abriu caminho para a Shell se consolidar no mercado de biocombustíveis. A Raízen, a maior processadora de cana-de-açúcar do planeta, já nasceu gigante, com valor de mercado estimado em torno de US$ 12 bilhões, cerca de 40 mil funcionários, uma rede de 4,5 mil postos. A previsão é que, em um intervalo de apenas cinco anos, a produção de etanol será dobrada, passando de 2,2 bilhões de litros, obtidos em 2010, para 5 bilhões de litros em 2015. “Criamos uma empresa que será, sem dúvida, uma das maiores do País em poucas décadas”, disse Ometto à DINHEIRO, no dia em que a Raízen foi oficialmente anunciada.  Com a Raízen, a Shell chegou ao topo de um ranking superdisputado, à frente das produtoras São Martinho, Bunge e Braskem. Já no segmento de distribuição, a Shell continua disputando litro a litro a segunda colocação com o Grupo Ultra, dono da rede Ipiranga, com 22% do mercado, segundo o Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Combustíveis e de Lubrificantes (Sindicom). A participação é apenas 1% menor do que a da Shell nas vendas totais de combustíveis no País. A liderança, no entanto, continua absoluta nas mãos da Petrobras Distribuidora, com 39% do mercado.  “A evolução dos combustíveis alternativos nos últimos anos comprova que o consumo de energia limpa é um caminho sem volta e, por isso, apesar de o petróleo ser uma fonte essencial para todos os 70 países em que atuamos, é nos biocombustíveis que estamos mais empolgados”, afirmou o CEO mundial da Shell, durante um evento no Rio de Janeiro, em comemoração do centenário da companhia no Brasil. “Estamos diante da transformação da indústria global de energia, e o Brasil é fundamental nesse processo.” De fato, Voser tem conduzido a maior revolução verde da história da companhia – e está pessoalmente empenhado em fazer esse mercado dar certo. Sua recente vinda ao País, em abril, parece ter ajudado a desatar alguns nós para a indústria do etanol.  O primeiro compromisso na agenda do executivo foi um encontro com a presidenta Dilma Rousseff, em Brasília, para reforçar o lobby em defesa dos biocombustíveis. O teor da reunião foi mantido em sigilo, mas fontes do governo afirmaram que Voser apresentou à Dilma um arsenal de argumentos para convencê-la a estimular o setor sucroalcooleiro. Três dias depois, o governo anunciou um pacote de desoneração da cadeia produtiva do etanol. O plano incluiu a concessão de um crédito tributário de R$ 1 bilhão aos produtores, que agora podem abater o valor do pagamento do PIS/Cofins, em um mecanismo de compensação. Também entrou no pacote a redução dos juros em linhas de financiamento para a renovação dos canaviais e de estocagem do álcool, além da autorização do aumento da mistura de álcool na gasolina, que passou de 20% para 25%.  Coincidência ou não, todas essas medidas apresentadas haviam sido entregues por Voser nas mãos de Dilma. “O encontro deixou claro o interesse da Shell em aumentar ainda mais sua participação no País e Dilma nos deu grande conforto para continuarmos investindo”, disse o presidente da Shell no Brasil, André Araújo. A resposta positiva do governo às reivindicações da Shell certamente não ocorreu por conta da troca de amabilidades naquele encontro, mas pela importância da petrolífera na história do mercado brasileiro de combustíveis. A Shell, que iniciou suas operações no País em 1913, é atualmente a principal parceira da Petrobras em projetos de exploração em campos de óleo e gás no pré-sal.  A gigante anglo-holandesa também já confirmou o interesse em comprar todos os ativos que a estatal brasileira quiser vender – dentro do programa de desinvestimento de US$ 9,9 bilhões, anunciado no início do ano, para concentrar recursos e esforços no desenvolvimento de projetos no litoral brasileiro. “A Shell tem tecnologia e inovação para explorar no pré-sal, no onshore e no offshore”, disse Voser. “Todos nos interessam.” Entre os ativos à venda estão blocos Cascade e Chinook, no Golfo do México, e algumas operações da Petrobras na África, incluído o da Nigéria, região estratégica também para a produção de etanol voltado à exportação, segundo o CEO da Shell. Nos Estados Unidos, por exemplo, atualmente o maior mercado de combustíveis do mundo, a gasolina recebe uma mistura de 8% de etanol. Trata-se de um consumo de 40 bilhões de litros por ano.  Em 2022, com a adição obrigatória de 15% de etanol, estima-se que os americanos consumirão 136 bilhões de litros de álcool, uma chance única para a consolidação do álcool produzido no Brasil. Além de ser uma inegável fonte de bons negócios, o etanol brasileiro é a principal alternativa ambiental já encontrada pela Shell. Segundo a Agência Americana de Proteção Ambiental, que já o classificou como um combustível limpo, o etanol de cana-de-açúcar reduz a emissão de dióxido de carbono (CO2) em 61%, quando comparado à gasolina pura. “Já não há dúvidas em relação à vantagem do etanol brasileiro e, por isso, estamos empenhados em aprimorar tecnologias na produção desse combustível limpo”, afirma Voser. “É um negócio fantástico, e que faz todo o sentido para a Shell.”  Outra aposta bilionária da Shell no campo dos novos combustíveis é o gás de xisto, conhecido como gás não convencional, extraído de rochas que sofreram grandes alterações de pressão e de temperatura. Além de ser mais barato que a gasolina, a queima do gás é menos poluente que o carvão. Por essa razão, a Shell já confirmou que irá perfurar ainda neste ano seu primeiro poço para exploração de gás de xisto, em Minas Gerais, no Vale do Rio São Francisco. “Estamos explorando nossos primeiros blocos na área onshore em Minas Gerais, na Bacia do São Francisco”, afirma Araújo, o CEO da subsidiária brasileira. “Fizemos o estudo sísmico e faremos a primeira perfuração no ano que vem.” Seja com gás de xisto, com o petróleo do pré-sal ou com o etanol, o fato é que a Shell será, nos próximos 100 anos, uma empresa com raízes fincadas cada vez mais fortes no Brasil.

“Mesmo que o petróleo acabasse, não seria o fim da Shell”   O CEO mundial da Shell, Peter Voser, afirmou à DINHEIRO que o Brasil é uma prioridade para a companhia no mundo e que o País é fonte abundante de energias alternativas, além de ter gigante potencial na área do petróleo. Acompanhe os principais trechos de sua entrevista: Por que o Brasil é prioridade em energias limpas, se a grande aposta ainda é o setor de petróleo? O cenário energético no Brasil é único.Há grandes oportunidades de negócios com as reservas de petróleo, mas existem também outras opções, especialmente em combustíveis renováveis, com o etanol, e alternativas limpas, como o gás. O País é um exemplo que pode liderar a substituição de combustíveis fósseis.   Quando o petróleo será substituído? Não acredito no fim do petróleo. Muitos países irão se industrializar e a demanda por petróleo e gás continuará forte. Mas, mesmo que o petróleo acabasse, não seria o fim da Shell. Somos uma empresa global de energia, não apenas uma companhia petrolífera, e estamos de olho em todas as oportunidades.    Mas as grandes oportunidades na área de combustíveis no Brasil estão concentradas nas mãos da Petrobras? A Petrobras é um grande parceiro nosso e queremos cultivar essa relação pelos próximos 100 anos da Shell no Brasil. Há oportunidades para os dois lados, fora e dentro do País.   Como estão os projetos de etanol de segunda geração? Eu não posso revelar detalhes nessa área. A Raízen é quem responde por essas novidades. O que posso garantir é que existe um fantástico horizonte para o mercado de biocombustíveis no País.   A prioridade será o etanol, o petróleo ou o gás? O petróleo sempre foi nosso negócio principal. No campo do etanol, nunca estivemos tão avançados. Temos, a partir de agora, de avaliar o potencial do gás de xisto no Brasil. A Shell é uma empresa de ponta em exploração de xisto e estamos trazendo nossa experiência para o Brasil para começar a exploração no País. Se há potencial, podemos produzir.  IstoÉ Dinheiro