Fecombustíveis faz alerta sobre aumento das irregularidades durante audiência pública
A Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) realizou ontem (07), a audiência pública sobre a revisão da Resolução 41/2013, com impacto para a atividade de Transportador-Revendedor-Retalhista e distribuidoras de combustíveis. As propostas apresentadas pela Agência foram vistas com preocupação pela revenda com a possibilidade de trazer consequências, com aumento de irregularidades, fraudes fiscais e dificuldade de fiscalização pela ANP.
Basicamente três propostas de mudanças na Resolução 41/2013 centralizaram as discussões: venda de combustível delivery , com a permissão da venda de etanol e gasolina pela revenda fora das instalações do posto (exceto o diesel), a ampliação da comercialização de gasolina e etanol pelo TRR e a flexibilização da fidelidade à bandeira, que traz a possibilidade de o posto bandeirado poder comercializar combustíveis oriundos de outros fornecedores, a partir da instalação de até duas bombas não-exclusivas.
A Federação Nacional do Comércio de Combustíveis e de Lubrificantes (Fecombustíveis), representada por Leonardo Canabrava, consultor jurídico da entidade, abordou que a venda delivery torna-se um problema no país pelo emaranhado fiscal insano e pelas irregularidades recorrentes, como os roubos de combustíveis em dutos da Petrobras. "A grande discussão é de ordem fiscal. Se a gente não considera o problema tributário, vamos agravar um problema existente que terá um ônus muito pesado", destacou. "Os agentes reguladores não conseguem coibir as irregularidades. O ideal é que a agenda regulatória facilite o trabalho da fiscalização ", destacou, observando que as grandes distribuidoras internacionais deixaram o país há alguns anos porque a regulação não foi sensível aos problemas de ordem tributária.
Um dos principais argumentos da revenda contra a venda delivery remete ao projeto-piloto da GOfit, primeiro modelo no país, que foi suspenso em 4 de maio, pela juíza federal Rosângela Lucia Martins, da 18a Vara Federal do Rio de Janeiro, por falta da fiscalização da ANP, assim como falhas e inconsistências na documentação exigida.
"Se o delivery fracassou num período de testes, como é possível crer que este modelo pode dar certo no país?, questionou Gabriel Queiroz, advogado do Sindcomb, sindicato da revenda do município do Rio de Janeiro. "Não queremos negar o avanço tecnológico. Entendemos que a liberação do delivery não pode ser feito na 'canetada'. A verdade é que falta preparo estrutural pela ANP, falta poder efetivo de fiscalização para garantir a segurança do abastecimento, o respeito as normas ambientais e a proteção do consumidor", complementou o advogado.
O mercado irregular é a principal preocupação da revenda, uma vez que as mudanças no marco regulatório podem causar danos à concorrência leal e, consequentemente, refletirão em prejuízos ao consumidor e aos cofres públicos, com a evasão fiscal.
Paulo Miranda Soares, presidente da Fecombustíveis, citou ao final da audiência as dificuldades de combate com os problemas antigos e recorrentes problemas do setor, como a atuação do crime organizado em São Paulo, que utilizam os postos para praticar diversas irregularidades. Ele também mencionou a dificuldade de controle da agência reguladora para monitorar os Pontos de Abastecimento (PAs), que já foram alvo de diversos problemas, tanto ambientais como de segurança à população, que poderão ampliar sua atuação irregular, com as mudanças regulatórias, como a liberação da venda de gasolina e etanol pelo TRR. "Os PAs podem se espalhar pelo Brasil afora sem cumprir as regras obrigatórias que são exigidas aos postos de gasolina. Até 15 mil litros não é necessário ter licença pela ANP. Acho que essa parte é a sensível e delicada e a Agência tem que tomar cuidado com isso", alertou.
Do ponto de vista concorrencial, a Agência foi criticada por propor um marco com diferentes tratamentos concorrenciais entre revenda e TRR, com a liberação da venda de etanol e gasolina pelo TRR, que já comercializa o diesel, porém, no modelo delivery, impede a revenda de comercializar o diesel. "Não existe razão lógica para impedir o posto vender diesel", disse Canabrava. Ele também questionou a agência reguladora por endereçar maior vigor competitivo do mercado na ponta final da cadeia, que é o elo de maior concorrência do segmento, com 41 mil postos, que têm reduzido suas margens vertiginosamente nos últimos anos, em alguns locais do país chegam no mesmo patamar das distribuidoras, da ordem de 6%.
Assim como Canabrava, outros agentes manifestaram à ANP que é preciso endereçar prioritariamente a regulação para o refino, que é o elo que, até então, vivia sob regime de monopólio da Petrobras. A desta abertura, o modelo de competitividade será alterado estruturalmente, com amplos reflexos à ponta final da cadeia.
Outra proposta bastante criticada tanto pela revenda como pelas distribuidoras foi a flexibilização da tutela regulatória de fidelidade à bandeira, com a instalação do posto multimarcas. Ou seja, um posto bandeirado poderá ter embaixo da marca que ostenta duas bombas não-exclusivas de combustíveis de outros fornecedores.
"Não existe um modelo de posto de venda exclusivo de uma marca com produto de outra marca em lugar nenhum", disse Luciano Libório, que representou a Raízen. "O revendedor é livre para optar pela bandeira. O contrato garante previsibilidade de demanda, de volumes para investimento em infraestrutura e financia a abertura de novos revendedores em prol do abastecimento e competição", disse, defendendo o modelo atual.
O posto multimarcas também levantou a preocupação com as irregularidades do setor e falta de proteção ao consumidor. "Não somos contra abrir o mercado, mas tudo dentro da legalidade. Se não houver um controle muito perfeito, o fornecedor da bomba branca pode descarregar no tanque da companhia (bandeira)", disse José Alberto Paiva Gouveia, presidente do Sindicato do Comércio Varejista de Derivados de Petróleo do Estado de São Paulo (Sincopetro).
Na visão do Sincopetro, a Agência deveria pensar numa regulação alinhada com a legalidade do setor. "Vejo a agência reguladora como parceira neste momento e, em conjunto com outros órgãos, deveria buscar uma legislação para evitar a concorrência desleal.Não se consegue abaixar o preço na ponta, se não tiver uma cadeia legal antes de chegar ao posto. A ANP terá que buscar a legalidade e tranquilidade para o mercado porque o consumidor pode ser enganado ainda mais", disse.
Queiroz, do Sindcomb, destacou que a proposta de posto no modelo híbrido é confusa, pode gerar desconfiança ao consumidor, aumentar o ingresso de agentes de má-fé e ainda dificultar a competitividade para os postos chamados de bandeira branca. Além disso, segundo a advogado, as mudanças propostas (posto multimarcas) deixam a fiscalização mais complexa . "É bom lembrar que regular interesses privados é diferente de garantir os interesses do consumidor. A ANP não pode agir de forma contraditória, que normalmente justifica uma série de medidas tendo a proteção do consumidor como sua diretriz. No caso presente, ela acaba deixando o interesse do consumidor para segundo plano. Não se pode usar dois pesos e duas medidas", observou.
Para Felipe Vieira, presidente da Associação Brasileira de Procons (que representa 950 Procons), as bombas não-exclusivas podem causar confusão para o consumidor, que pode abastecer no posto que ostenta uma determinada marca, mas acaba levando outro produto, por engano. Segundo Vieira, o consumidor é a parte mais vulnerável e "tem direito básico da informação clara e precisa do produto".