Fecombustíveis repudia pressão por maior percentual de biodiesel

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A Federação Nacional do Comércio de Combustíveis e de Lubrificantes (Fecombustíveis) reafirma seu apoio ao Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel, mas considera inoportuna e perigosa qualquer tentativa de elevar o percentual de mistura no diesel, sem que todos os problemas técnicos relacionados ao biocombustível estejam devidamente solucionados.

“O biodiesel atualmente comercializado no Brasil precisa de ajustes urgentes em sua especificação técnica, assim como é fundamental a revisão das normas de manuseio e armazenagem do produto. Tais revisões já estão em andamento. Infelizmente, vemos com bastante preocupação a pressão política que vem sendo exercida para reduzir o alcance dessas alterações, ao mesmo tempo em que se fortalece o lobby pelo aumento do percentual de mistura no diesel. O biodiesel do Brasil não tem a mesma qualidade daquele comercializado nos Estados Unidos, na Europa ou mesmo na Argentina; sua produção está demasiadamente concentrada na soja; e ainda é extremamente caro”, destaca Paulo Miranda Soares, presidente da Fecombustíveis.

Desde a introdução da adição obrigatória do biodiesel ao diesel em 2008, com percentual inicial de 2% (B2), postos de combustíveis em todo o Brasil vêm relatando casos de formação de borra, entupimento de filtros e necessidade de manutenções mais frequentes. Tais problemas se agravaram a partir de janeiro de 2010, quando entrou em vigor o atual percentual de 5% (B5). Somaram-se a essa situação as reclamações de clientes, que voltavam aos postos com laudos de oficinas e concessionárias, demandando ressarcimento por reparos em seus veículos, supostamente decorrentes da má qualidade do combustível.

Confira, a seguir, artigo de Paulo Miranda Soares sobre o tema.

“A revenda de combustíveis vê com bastante preocupação o intenso lobby feito pelos produtores de biodiesel pela elevação do percentual de mistura no diesel, em meio ao argumento de que já há capacidade instalada suficiente para atender a uma demanda maior e dos supostos benefícios econômicos e ambientais para o país.

Sem dúvidas, o Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel é um sucesso, mas isso não quer dizer que não existam problemas graves que precisam ser resolvidos, antes de se pensar em qualquer nova elevação da mistura, sob o risco de afetar de forma irreparável a imagem do produto.

Quando o biodiesel tornou-se obrigatório, em 2008, os postos de combustíveis não tinham dimensão dos desafios que se apresentariam no horizonte. Naquele momento, todas as orientações trazidas pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e pelo ordenamento em vigor, inclusive pela norma ABNT 15.512, diziam que as misturas previstas eram como se diesel fossem. Ou seja, não seriam necessárias alterações na infraestrutura dos postos, apenas redobrar os cuidados operacionais para evitar contaminação do produto.

Mas não foi isso o que vimos na prática. À medida que o percentual de biodiesel no diesel aumentava, cresciam os problemas. O primeiro sinal foi a redução da vida útil dos filtros, seguida pela constatação de formação de um material escuro e mal cheiroso em seus tanques. Nas regiões frias, havia relatos de combustível virando uma espécie de gel, devido à presença de biodiesel produzido a partir de sebo. Não tardou para que começassem a chegar as reclamações de clientes, que voltavam aos postos com laudos de oficinas e concessionárias, demandando ressarcimento por reparos em seus veículos, supostamente ocasionados pela má qualidade do combustível.

Sem falar no incremento das autuações pela ANP, em decorrência do aspecto do combustível ou de percentual de biodiesel diferente do exigido pela legislação. Só que, ao contrário do que acontece na gasolina, que permite que qualquer pessoa teste na hora o quanto há de etanol anidro, para o biodiesel não existe qualquer análise que possa ser feita nos postos para constatar o percentual de biodiesel no diesel. E isso vale tanto para o consumidor que está abastecendo seu veículo, como para o posto que compra o produto de sua distribuidora. Vale lembrar que autuações da ANP não significam apenas pesadas multas, mas também a possibilidade até de fechamento do estabelecimento, com cassação da inscrição estadual, como acontece no estado de São Paulo.

Para entender o que estava acontecendo, fomos atrás de especialistas, de estudos e tivemos que nos tornar praticamente experts em biodiesel para participar de fóruns e discutir o problema com a ANP. Há quase um ano e meio, governo e representantes de toda a cadeia se reúnem periodicamente em busca de solução para os problemas. A ANP já constatou a necessidade de alterar a especificação do biodiesel puro, especialmente diante do fato de que, a partir de janeiro de 2012, estaremos comercializando o diesel de baixo teor de enxofre, altamente suscetível à contaminação. O enxofre funciona como um bactericida natural, ajudando a reduzir a formação de microorganismos, principais causadores daquelas borras e entupimentos citados anteriormente. Só que os produtores de biodiesel têm realizado forte lobby para impedir que as mudanças na especificação sejam implementadas, para não assumir os maiores custos a elas associadas.

E este não é o único dos problemas relacionados ao biodiesel. Os produtores gostam de citar a economia que será obtida com a redução das importações de diesel, mas propositalmente esquecem-se de citar que o biodiesel custa praticamente o dobro do diesel. Ou seja, elevar a mistura significa também tornar o diesel mais caro, com impactos inflacionários para toda a economia, já que transporte de cargas e passageiros no Brasil é feito majoritariamente por veículos abastecidos com diesel. E isso num momento em que já é esperada uma elevação no custo do combustível, em meio à chegada do diesel de baixo teor de enxofre, especialmente do S10 a partir de janeiro de 2013.

Acreditamos que o biodiesel pode e deve prosperar no Brasil, mas com cautela. Somos comerciantes e queremos vender a maior quantidade possível de produtos em nossos estabelecimentos. Mas não podemos, por ocuparmos o último elo da cadeia de abastecimento, assumir o ônus por um produto cuja qualidade ainda precisa ser aperfeiçoada. Excesso de capacidade instalada não justifica elevação de mistura. Se assim fosse, estaríamos apenas transferindo para o consumidor o ônus de um risco assumido pelo produtor, que se programou para ofertar mais do que a legislação estabelecia. Cabe ao governo ter serenidade e sabedoria nesse momento para equilibrar os diversos interesses envolvidos e chegar a uma solução que seja a melhor para o país e não apenas para um segmento da economia.”
 

Assessoria Fecombustíveis