Governo age no etanol, mas patina nos alimentos

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Embora tenha dado um refresco a bolsos mais sensíveis nos últimos dois meses, o aumento dos preços dos alimentos, e seu impacto nos índices de inflação, ainda provoca preocupação no governo. E as previsões pouco otimistas sobre a produção de etanol têm deixado consumidores apreensivos e ministros em alerta máximo.

Ainda longe do auge da colheita da cana-de-açúcar, os preços do etanol hidratado subiram 72% em 12 meses encerrados em março deste ano. Entre abril e maio, recuaram 28%. Mas ainda continuam altos, bem acima do que era esperado. Diante disso, o governo enxergou a urgência de agir para conter expectativas de nova alta nos preços ao longo da entressafra - além de sinalizar com a garantia do abastecimento interno.

Em meio ao cenário de eventual escassez de etanol, a presidente Dilma Rousseff já decidiu reduzir, de 25% para 18%, a mistura do etanol anidro na gasolina. A medida será formalizada pelos quatro ministros integrantes do Conselho Interministerial do Açúcar e do Álcool (Cima) até a próxima semana. Estima-se, com isso, diminuir o consumo anual do anidro em 2,2 bilhões de litros, o que significaria uma "folga" de 30% na demanda pelo combustível. E, talvez, um sono mais tranquilo aos formuladores da política energética.

A medida ajudará a "preservar" a "demanda própria" pelo etanol hidratado nas bombas dos postos, informou um ministro ao Valor. "O desempenho da cana está aquém do esperado. Há mais dificuldades e são necessárias medidas para garantir o abastecimento. O aumento da produção demandará tempo", diz o ministro.

Em jogo, estão um bem intangível, que é a confiança dos milhões de donos de veículos com motor "flex fuel", e um dado objetivo: o futuro da cadeia produtiva do etanol. E foi essa mensagem que Dilma deu pessoalmente a um grupo de usineiros, reunidos há 20 dias na casa do ministro da Agricultura, Wagner Rossi, em Ribeirão Preto (SP). É preciso preservar, de qualquer maneira, o programa do etanol.

A redução da mistura do anidro terá um efeito colateral, avalia o governo. O consumo de gasolina será maior. Mas não existe saída fácil nessa equação, já que situação semelhante ocorreria com a redução da oferta do etanol hidratado. Entretanto, no lado do controle inflacionário, haverá ganhos. A medida ajudará a domar os preços monitorados pelo governo. Neste ano, eles subiram quase 6% até maio. E boa parte dessa carestia foi provocada pelo etanol anidro misturado à gasolina.

A saída perfeita planejada no governo é estimular a produção de etanol. Por isso, a presidente Dilma já determinou ao BNDES medidas para retomar os investimentos no segmento. O banco começou a negociar com usineiros, nesta semana, a criação de duas linhas: uma para a construção de novas plantas industriais de etanol ("greenfield") e outra para a ampliação de usinas em atividade ("brownfield").

A atenção dispensada ao etanol tem uma razão mais ampla. O governo projeta dificuldades com os índices inflacionários de produtos agrícolas neste segundo semestre. Em 12 meses, até maio, o grupo alimentos e bebidas registrou inflação de 8,2%. É um índice bem acima do IPCA, cuja variação foi de 6,55% no mesmo período. O grupo alimentos responde por 21% do conjunto do IPCA. Alguns preços se mantiveram em alta e outros recuaram abaixo do esperado durante o pico da comercialização da safra recorde de grãos, fibras e cereais.

Avaliações internas do governo mostram que, nos próximos seis meses, os preços da comida devem voltar a subir, ainda que em menor intensidade do que observado no início deste ano. O consumo interno continuará aquecido, ainda sob o efeito da ascensão de milhões de brasileiros à chamada classe C. E a demanda externa, puxada por China, Rússia, parte do Oriente Médio e países asiáticos, seguirá forte. Há procura cada vez maior por proteínas e carboidratos. É uma questão estruturante, avalia-se no governo. O crescimento da renda, somado ao quase pleno emprego, segue como fator "fundamentalista" internamente. E a oferta não cresce no mesmo ritmo da demanda.

Os preços subiram e devem permanecer acima do degrau anterior. Os alimentos, segundo essa análise, não vão contribuir para reduzir a inflação. Os efeitos da sazonalidade serão cada vez menores e os preços serão mais elevados do que em períodos anteriores. Alguns exemplos ilustram a projeção. O preço da arroba do boi gordo descolou-se da média histórica de R$ 56,70, entre 2007 e 2011, chegando a R$ 93,14 nos últimos dois anos. Neste ano, a média subiu ainda mais, atingindo R$ 102,30. A saca de açúcar passou de R$ 38,77 para R$ 62,28 na mesma comparação. E o café saltou de R$ 220,65 para R$ 375,40.

Uma ida ao supermercado comprova remarcações no leite, no feijão, na farinha de trigo e até no arroz, que exibe uma supersafra no Sul do país. E os efeitos das severas geadas têm prejudicado produtos hortigranjeiros, também bastante influentes na composição dos índices.

Como se vê, o Banco Central terá um bom trabalho para garantir, em 2012, a convergência da inflação para o centro da meta de 4,5%. Em 2011, parece difícil até mesmo cumprir o teto de 6,5%.

Mauro Zanatta é repórter em Brasília. O titular da coluna, Cristiano Romero, está em férias