Leniência com depósitos ilegais de combustível
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A explosão de um depósito de estocagem de combustível em Duque de Caxias expôs a existência de uma rede de ilegalidades numa atividade para a qual o poder público tem o dever de apresentar uma inequívoca política de proteção — à economia e à população do Estado do Rio. Pela dimensão do acidente (que matou uma pessoa), pela aparente surpresa com que foram apanhados os organismos de fiscalização e pela extensão das burlas a normas de segurança deduz-se que a leniência as neutraliza.
A começar pela consagração de uma impossibilidade física — a de tanques de combustível, amplos o suficiente para estocar grandes quantidades de óleo, se volatilizarem a ponto de passarem despercebidos, o equivalente a manter sob discrição o estouro de uma manada de búfalos. Até a explosão, os galpões pareciam invisíveis aos fiscais públicos; provavelmente clareados pelas chamas, três dezenas deles se materializaram perante a Secretaria Estadual do Ambiente, que descobriu nos depósitos uma engrenagem de adulteração de gasolina.
Por sinal, esse é outro duto da rede de ilegalidade detonada. Ele alimenta uma frota de caminhões-tanque — por certo ilegal, em decorrência da natureza de toda a atividade — com gasolina batizada, ao custo da sangria de tributos e ao risco da segurança da população. Um perigo que — o incêndio no depósito incendiado deixou evidente — se separa da tragédia por uma centelha. Completa-se o quadro do absurdo a particularidade de depósitos como o que explodiu, funcionando ao arrepio das normas legais de segurança, estarem instalados em área residencial. Somente por obra da sorte o acidente não derivou para uma tragédia de proporções inimagináveis. Nada assegura — pelo contrário — que, havendo novas explosões, o desfecho não seja catastrófico.
Feito o barulho, os órgãos do poder público saíram enfim a campo, para tentar enquadrar as empresas, Ainda que o estejam fazendo somente depois do susto de um desastre, menos mal que estejam atuando. No entanto, as ações de enquadramento em curso só terão valor efetivo se não ficarem restritas ao plano das reações espasmódicas. A preocupação se justifica, pois este costuma ser o modelo seguido em situações semelhantes: o Estado, pródigo em criar órgãos (e cargos) e sobrecarregar a folha de pagamento, não costuma dar a contrapartida em serviços eficientes. É forte na gastança, fraco na ação. É crucial que comece a agir, e não pare quando a atenção da imprensa mudar de foco. Sob pena de não haver nova chance de a tragédia ser evitada.
E, no Rio de Janeiro, cuidados contínuos com produção, estocagem e distribuição são cruciais, por se tratar do maior estador produtor de petróleo do país, com perspectiva de aumentar a participação nesta produção devido ao pré-sal, e nos insumos petroquímicos, com o polo de Itaboraí. Tudo inflamável. As chances de graves acidentes aumentarão. Sem fiscalização séria, será pior.
O Globo