MPSP apura remuneração da Comgás

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A reação das indústrias paulistas ao aumento do preço do gás natural distribuído pela Comgás chegou às vias judiciais. Um inquérito civil instaurado pelo Ministério Público de São Paulo, com base em uma representação da Associação Brasileira das Indústrias de Vidro (Abividro), apura possíveis irregularidades nos critérios de remuneração da distribuidora. 
 
Nas próximas semanas, outra ação judicial poderá surgir, desta vez a pedido da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), que alega prejuízo de 539 milhões de reais aos consumidores. A conta decorreria de a Comgás não ter acionado uma cláusula de contrato que lhe garantia a compra de gás mais barato da Petrobras, quando a petroleira oferecesse condições mais favoráveis a outras distribuidoras. 
 
As duas frentes de disputa são recorrentes desde a última revisão tarifaria, em 2009, mas apenas agora deixaram a esfera administrativa. O pleito da Abividro contesta o uso do valor econômico mínimo de venda da Comgás, de 1,4 bilhão de reais, como base d a remuneração dos ativos, em vez do patrimônio líquido da companhia, hoje em 750 milhões. A Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo (Arsesp), passou a utilizar o critério em 2004. Na visão das empresas, a opção aumentaria de forma indevida (em até 200 milhões de reais ao ano) os ganhos da Comgás. 
 
A discussão foi dada como encerrada pelo governo estadual em 2009, após uma consultoria privada contratada pela Arsesp concluir que se trata de uma condição contratual estabelecida em 1999 e prática roti nei ra mundo afora. Ainda assim, a Pro-motoria de Justiça do Pafrimônio Público e Social da capital paulista decidiu verificar se realmente os industriais não teriam razão. E solicitou à Comgás e à Arsesp, em dezembro do ano passado, o detalhamento dos critérios de formação de preço. O Ministério Público, por ora, aguarda a entrega dos documentos requisitados. 
 
Um dos trunfos das indústrias na defesa de seu argumento é o fato de a Aneel, a agência federal de regulação do setor elétrico, ter determinado em 2002, contra solicitação das distribuidoras, que o patrimônio líquido deveria ser a base de remuneração. 
 
A discussão esquentou nas últimas semanas porque na sexta-feira Io será anunciado o reajuste anual das tarifas da Comgás. Segundo entidades empresariais, a distribuidora falava de um reajuste de cerca de 20% na tarifa industrial, notícia indigesta para as empresas, que tornaria a tarifa da Comgás a mais cara do País. 
 
No fim do ano passado, os aumentos do custo do gás causados pela valorização do dólar causaram repasse de 11% à tarifa industrial. Há um ano, o reajuste foi de 8%. Como 65% do gás distribuído pela Comgás é importado da Bolívia, a concessionária, estima a Arsesp, teria 230 milhões de reais a receber como compensação no processo de reajuste tarifário. 
 
Os industriais paulistas não questionam a realidade da alta do preços. Mas consideram que também eles têm contas a receber. A Arsesp concluiu em 2010 que os consumidores paulistas foram prejudicados ao pagai\' mais pelo gás do que os consumidores da CEG e CEG-RIO. E mandou a empresa paulista renegociai-os contratos com a Petrobras, pois em 2007 a Comgás foi a primeira a firmar um acordo com a Petrobras para a compra de gás nacional, sob o novo critério da parcela fixa mais a parcela variável, substituto do modelo composto pelo preço do combustívehnais o custo do transporte. 
 
Para a Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia (Abrace), a mudança elevou o custo do gás para a indústria em cerca de 30%, com efeito a partir de janeiro de 2008. Diante do impacto, a Arsesp exigiu que no contrato com a Petrobras fosse inserida cláusula que permitisse renegociar os preços caso outras distribuidoras conseguissem condições mais favoráveis. 
 
Segundo as indústrias paulistas, outras distribuidoras escalonaram o aumento de 2008 a 2009. Os clientes da Comgás, por sua vez, ficaram no prejuízo pelo fato de a empresa não ter exigido equiparação de condições à petroleira. A Arsesp considerava em 2010 que o valor a ser compensado aos consumidores pela diferença de condições cm relação às distribuidoras fluminenses chegava a 220 milhões de reais. Hoje o montante chegaria a 539 milhões, segundo os empresários. Trocando em miúdos, a Comgás tem 230 milhões de reais "negativos" a serem considerados no reajuste atual. Mas também há um saldo positivo para a distribuidora que não tem sido repassado à tarifa. É sobre essa questão que a Fiesp se concentra. 
 
Multada em 2,7 milhões de reais por não seguir a exigência da Arsesp, a Comgás recorreu da decisão. Segundo a distribuidora, ao procurar a Petrobras para a aplicação da cláusula de equiparação de condições após ser notificada pela agência, a petroleira respondeu que esta regra não se aplicava. Argumentou que os contratos com a CEG não eram novos, mas uma reformulação de acordos anteriores ao da Comgás. A distribuidora paulista alega que a Arsesp não tem conseguido provar que a CEG possui condições mais favoráveis nem detalhou as medidas a serem tomadas. Enquanto isso, a companhia adia o pagamento da multa. 
 
Para além da esfera judicial, as associações que representam os grandes con-sumidores de gás solicitaram ao governo
paulista, em maio último, a apresentação dos autos que analisam o reajuste de tarifas da Comgás. E pedem a criação de um fórum específico de usuários de gás canalizado para debater e fiscalizai- o contrato de concessão. 
 
A reclamação dos consumidores é que não hátransparência, pois existem cláusulas de confidencialidade entre a Petrobras e a Comgás. Outrareivindicação épara que haja uma repactuação dos contratos e o escalonamento dos reajustes em dois anos. Segundo a Arsesp, é legítimo os agentes, usuários e concessionários dos serviços participarem das decisões da agência e apresentarem as suas demandas. 
 
Em relação à transparência, a agência argumenta que todas as notas técnicas e explicativas são publicadas no Diário Oficial, além de estarem disponíveis na internet. Procurada por Carta Capital, a Comgás preferiu não se manifestar.
Revista Carta Capital