O tremendão do biodiesel
Em meados de 2004, o empresário gaúcho Erasmo Carlos Battistella aguardava na fila do banco para pagar as contas do mês quando alguns agricultores perguntaram sua opinião sobre o biodiesel. Ele, que era dono de dois postos de combustíveis em Colorado, cidade a 300 quilômetros de Porto Alegre, conhecia muito pouco sobre o tema. Na época, o biodiesel começava a ganhar espaço no noticiário graças à preparação do Plano Nacional de Produção e Uso de Biodiesel (PNPB) pelo governo federal. O interesse dos colegas despertou a atenção de Battistella, que começou a pesquisar sobre o assunto. Menos de um ano depois, ele resolveu investir na área.
Hoje, aos 33 anos, o empresário tem certeza que sua intuição estava correta. A BSBIOS, fundada pelo empreendedor em 2005, faturou R$ 1 bilhão em 2011. Mais: Battistella se transformou, no ano passado, em sócio da Petrobras, ao vender 50% da companhia para a Petrobras Biocombustível (PBio), subsidiária da estatal brasileira de petróleo, por R$ 200 milhões. Com a associação, se transformou no maior produtor de biodiesel do Brasil, um setor que vai receber investimentos de R$ 28,1 bilhões até 2020, valor cinco vezes superior ao que foi gasto entre 2005 e 2010. “Ninguém acreditava em mim. Eu era motivo de risada”, disse Battistella à DINHEIRO.
O setor de biodiesel ainda dá os primeiros passos no Brasil. Mas já está criando os seus primeiros milionários. Battistella, por exemplo, pode ser considerado o primeiro empreendedor não ligado a grandes grupos empresariais nacionais ou internacionais a ganhar muito dinheiro com a exploração desse tipo de combustível renovável. Seu negócio surgiu na esteira de uma política governamental que privilegia os investimentos na área, depois que o então presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, sancionou, em 2005, a lei que obriga a mistura atual de 5% do biodiesel ao diesel comum. Graças a ela, em sete anos, Battistella deixou de ser um pequeno empresário para criar uma empresa bilionária.
A BSBIOS, cuja sede é em Passo Fundo (RS), já é uma das 100 maiores do Rio Grande do Sul, figura entre as 200 maiores companhias da região Sul e entrou para a lista das mil maiores do Brasil. “O Erasmo tem uma enorme capacidade empreendedora e uma visão estratégica do setor”, diz o ex-ministro Miguel Rossetto, atualmente presidente da PBio, que desde a associação entre as duas empresas também comanda o conselho de administração da BSBIOS. O desempenho empresarial de Battistella é ainda mais surpreendente quando se leva em conta sua trajetória.
Nascido em uma família de pequenos agricultores de Itatiba do Sul (RS), o empreendedor foi batizado em homenagem ao cantor e compositor dos tempos da jovem guarda Erasmo Carlos, conhecido como Tremendão, do qual seus pais eram fãs. Apesar do nome que remete ao universo musical, Battistella queria mesmo era ser jogador de futebol. Torcedor fanático do Grêmio, bem que ele tentou seguir a carreira, chegando a disputar campeonatos regionais pelo time da cidade. Largou tudo para se dedicar ao estudo de técnicas agrícolas em Erechim (RS). Trabalhou na cooperativa da cidade e, na sequência, foi recrutado para ajudar na loja de insumos agrícolas e fertilizantes de um tio, na vizinha Nicolau Vergueiro.
Seu primeiro negócio próprio só surgiria em 1998, quando, aos 20 anos, pediu um empréstimo de R$ 20 mil para a avó de sua então namorada, Fabiana, hoje sua mulher. Os recursos foram usados para arrendar um posto de combustíveis na cidade. Multiplicou o capital, passou o ponto e construiu outro em Santa Cecília do Sul, onde não havia nenhum comércio do tipo. Cinco meses depois, vendeu a unidade por R$ 200 mil e seguiu para Colorado. Lá, passou a controlar dois postos de combustíveis, negócio que manteve até 2007. Como a cidade era maior, o volume de vendas compensava o resultado financeiro. “Sempre fui uma espécie de faz-tudo no negócio”, afirma Battistella.
“Atendia os clientes, transportava o combustível em meu próprio caminhão e até atuava como caixa.” O conhecimento adquirido nesse período, somado ao espírito empreendedor, fez com que Battistella vislumbrasse uma chance de ganhar ainda mais dinheiro quando decidiu apostar na BSBIOS. “O sucesso do programa de incentivo ao etanol, o Pró-Álcool, me levou a acreditar que com o biodiesel aconteceria o mesmo”, afirma. “Temos um pré-sal verde para ser explorado.” A ascensão de sua empresa, uma sopa de letrinhas que tem o B para Brasil, o S como referência à região de origem e o BIOS para mostrar o que produz, acompanhou a expansão do setor.
Em 2005, não havia sequer uma usina de biodiesel no País. Hoje, são cerca de 70 companhias que começaram a investir mais fortemente na área. Mas, diferentemente do que ocorreu com o etanol, o País largou atrasado no caso do biodiesel. A Alemanha, pioneira do setor, lidera mundialmente, com a produção anual de 2,6 bilhões de litros. O Brasil vem a seguir, com 2,4 bilhões de litros por ano. Para efeito de comparação, o Brasil produziu 28,2 bilhões de litros de etanol em 2010. “Em biodiesel, vamos superar a Alemanha em 2012”, afirma Rossetto. De olho nessas oportunidades, as empresas do agronegócio começam a direcionar seu foco para o biodiesel.
Tome o exemplo da paulista Granol. Em 2011, o combustível renovável respondeu por 43% do faturamento de R$ 1,9 bilhão, resultado quatro vezes maior do que em 2006. “A tendência é que aumente ainda mais porque o setor vai crescer”, diz Paula Regina Cadette, diretora financeira da Granol. A própria PBio também está investindo alto. Entre 2010 e 2014, serão destinados US$ 3,5 bilhões para os biocombustíveis. A subsidiária da estatal tem atualmente três usinas próprias de biodiesel no País: Candeias (BA), Quixadá (CE) e Montes Claros (MG). A americana ADM, uma das maiores do agronegócio no mundo, também reforçou seus investimentos em biodiesel no Brasil.
A empresa, que já tem uma unidade em Rondonópolis (MT), terá mais duas: uma em Joaçaba (SC), prevista para este ano, e outra em São Domingos do Capim (PA), que deve ser inaugurada em 2016. A ideia é repetir a liderança em biodiesel que a empresa tem na Europa também no Brasil. A BSBIOS de Battistella também está investindo pesado. Em novembro do ano passado, a empresa inaugurou uma esmagadora de soja destinada a abastecer a usina de Passo Fundo. O empreendimento consumiu R$ 130 milhões. Atualmente, a companhia conta com duas fábricas. A maior fica na sede da empresa, com capacidade produtiva de 160 milhões de litros de biodiesel por ano.
A outra está localizada em Marialva, no norte do Paraná, a 400 quilômetros de Curitiba. Essa unidade industrial pode produzir anualmente 126 milhões de litros de biodiesel. As três fábricas da PBio têm capacidade produtiva de 434 milhões de litros por ano. “Quero me tornar um dos consolidadores do setor no País”, diz Battistella. Para isso, ele já desenha estratégias de aquisição de concorrentes na área de biodiesel, a entrada no mercado de biolubrificantes e também a expansão para o segmento de etanol. O crescente interesse pelo biodiesel resulta de uma combinação de fatores. O primeiro deles é ambiental. Estima-se que a mistura de biodiesel ao diesel permita a redução de poluentes em até 57%.
O que facilita também a disseminação do biodiesel é a variedade de matérias-primas como soja – que corresponde a 80% do total do que é produzido –, canola, girassol, pinhão-manso, mamona, dendê e gordura animal. No Brasil, o objetivo do governo ao apoiar esse setor é também incentivar a agricultura familiar e gerar renda no campo. Atualmente, há mais de 100 mil pequenos agricultores fornecendo matéria-prima para a produção do biodiesel. Toda a cadeia deve gerar 4,7 milhões de empregos até 2020. Apesar do otimismo que reina entre as empresas do setor, o mercado de biodiesel depende de questões estruturais e regulatórias para crescer de forma acelerada.
Um exemplo dos entraves que ainda marcam a área é o fato de que o setor atua com 53% de ociosidade. Outro problema é que a distribuição do biodiesel ainda é ineficiente. “As usinas produtoras estão situadas longe dos mercados consumidores, o que eleva os custos logísticos”, diz Ricardo Hashimoto, diretor da Fecombustíveis, entidade que representa as empresas de distribuição de combustíveis. Para dar um novo impulso ao setor, a Aprobio, entidade que une os produtores de biocombustível e é comandada por Battistella, luta para a criação de um marco regulador. Uma das propostas é o aumento do percentual de adição de biodiesel ao diesel. Hoje, está na casa dos 5%.
A proposta é que suba para 10% até 2014 e 20% no fim desta década. Com isso, o Brasil ficaria alinhado aos parceiros do Mercosul, como Argentina e Colômbia, e à Europa. No que depender da obstinação de Battistella, essa batalha tem muitas chances de ser vencida (leia a entrevista abaixo). Ele já está se articulando para defender esse plano. Em dezembro do ano passado, por exemplo, reuniu-se com a ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, para discutir uma proposta de marco regulatório a ser encaminhada ao Congresso Nacional, que deve ser apresentado em fevereiro. “O biodiesel é um caminho sem volta”, diz Guilherme Nastari, diretor da consultoria paulista Datagro.
“Mas, se o governo não conceder incentivos e criar, de fato, um marco regulatório claro, o potencial do setor pode ser jogado fora.” Esse é apenas mais um obstáculo na trajetória de Battistella. Para chegar a esse ponto, ele teve de superar várias adversidades. A primeira delas foi a de conseguir financiamento para erguer a BSBIOS. Battistella guardou todas as economias ganhas com os postos de combustíveis para pagar R$ 100 mil ao Banco do Brasil, que fez o projeto financeiro da empresa. “A ideia tinha viabilidade, mas a maioria da cidade achava que era um delírio”, diz Ividio Schweizer, gerente do BB, que ajudou o empresário a escrever o plano de negócios.
Depois disso, Battistella teve de ir até Brasília, em sua primeira viagem de avião, para uma reunião no Ministério do Desenvolvimento Agrário, cujo titular era exatamente Rossetto. O objetivo era conseguir o Selo Combustível Social, que prevê uma série de regras, como a compra mínima de 30% de matéria-prima de agricultores familiares, em troca da redução de impostos para as empresas produtoras. Sem esse selo, ele não conseguiria que fosse liberado o empréstimo de R$ 28 milhões que pleiteava no BNDES. Ele também conseguiu o apoio de quatro empresários locais que, junto com ele, investiram mais R$ 5 milhões para criar a BSBIOS. São eles: Mário Wagner e Paulo Montagner, do grupo de máquinas agrícolas Kuhn do Brasil, Antonio Roso, da empresa de engenharia Metasa, e Arlindo Paludo, do grupo Vipal, que atua em diversos setores, desde pneus até o financeiro.
Hoje, ele mantém ainda uma dura rotina de trabalho, que inclui jornadas diárias de 14 horas, além de viagens semanais pelos mais diversos pontos do País. Battistella se mantém fiel às origens e tenta não descuidar da família. “Faço questão de levar minhas duas filhas ao colégio quando estou em Passo Fundo.” O velho hábito de jogar futebol também foi mantido, mas as partidas são cada vez menos frequentes e o empresário também inclui o tênis em seu cardápio desportivo. Os amigos, que em 2004 lhe despertaram o interesse pelo setor de biodiesel, ainda se mantêm como interlocutores regulares. Até porque, boa parte deles integra a carteira de fornecedores da BSBIOS.
“Aumentamos a oferta de alimentos com o Biodiesel”
O presidente da BSBIOS, Erasmo Carlos Battistella, concedeu a seguinte entrevista para a DINHEIRO:
O sr. é favorável à liberação do diesel, que já possui 5% de biodiesel em sua composição, para abastecer a frota de veículos de passeio no Brasil?
Essa é uma das bandeiras da Aprobio. Acredito que esse processo poderia ser iniciado com a liberação dos táxis que rodam nas grandes cidades. O diesel já é utilizado como combustível para veículos de passeio na Argentina e no Paraguai, além da Alemanha, país que lidera o mercado de biocombustíveis no mundo.
O programa de biodiesel foi criado para unir sustentabilidade e desenvolvimento no campo. O sr. diria que, na prática, isso vem acontecendo?
Creio que sim. Os benefícios desse programa são claros porque integram duas vertentes. Uma delas é a redução da emissão de gases do efeito estufa, por meio do menor uso de combustíveis minerais, o que melhora a qualidade de vida. A segunda é o incentivo à agricultura familiar.
Apesar da diversidade de fontes no Brasil, 80% do biodiesel é produzido a partir da soja. Por que as demais oleaginosas, como a mamona e a semente de girassol, não emplacaram?
A agricultura brasileira sempre foi baseada em culturas tradicionais como a soja e o milho. Hoje, vivemos um processo de diversificação e isso vem se refletindo também no campo dos biocombustíveis. A oferta de oleaginosas está crescendo e já contamos com opções como a palma e a canola. Além das empresas, o governo, por meio da Embrapa, está investindo em pesquisas para a diversificação dessas fontes.
Uma grande polêmica envolvendo os biocombustíveis é a possibilidade de eles concorrerem com a produção de alimentos. Isso realmente acontece?
Claro que não. Quando produzimos biodiesel, na verdade, aumentamos a oferta de alimentos, pois o resíduo da produção se transforma em insumo para alimentar criações de gado e aves. A FAO, agência da ONU para alimentação e agricultura, defendeu, em 2011, os investimentos em biocombustíveis, como o etanol e o biodiesel. Segundo a entidade, os combustíveis verdes representam uma forma de aumentar a segurança alimentar nos países de economia agrícola ao estimular a criação de empregos e elevar a renda.
Revista Isto É Dinheiro - 22/01/2012