Senado aprova projeto que autoriza venda direta de etanol para postos
O Senado aprovou nesta terça-feira, 19, o projeto de decreto legislativo que autoriza a venda direta de etanol hidratado de usinas para os postos. O texto contou com 47 votos favoráveis e, agora, segue para a Câmara dos Deputados.
O projeto foi apresentado após a paralisação dos caminhoneiros, na segunda quinzena de maio. Na semana passada, um requerimento de urgência foi assinado pela maioria dos líderes da Casa, o que fez com que a matéria fosse levada diretamente ao plenário.
Atualmente, os produtores não estão autorizados a vender o combustível diretamente aos postos por restrições da Agência Nacional do Petróleo (ANP). Durante a greve dos caminhoneiros, a agência chegou a liberar emergencialmente a venda direta das usinas para os postos, mas a medida foi revogada quando a situação se normalizou.
O projeto é de autoria do senador Otto Alencar (PSD-BA) e derruba artigo da Resolução 43/2009, da ANP, que só permite ao fornecedor comercializar o etanol com outro fornecedor cadastrado na ANP com um distribuidor autorizado pela agência, ou com o mercado externo.
Os que são contra a proposta alegam que a venda direta criará dificuldades para a tributação e a fiscalização do projeto. Otto, por sua vez, afirma que a medida vai beneficiar o livre comércio, pois o produtor não iria precisar de uma distribuidora para vender o etanol, o que baratearia o preço para o consumidor. “Nós queremos mexer em um oligopólio grande, que ganha dinheiro fácil”, afirmou.
Representantes do setor de etanol estão divididos. A União da Indústria de cana-de-açúcar (Unica) é contra a liberação de comércio direto entre produtores e postos de combustíveis.
Já Federação dos Plantadores de Cana do Brasil (Feplana), que reúne os agricultores e tem forte influência no Nordeste, se posicionou favorável ao projeto.
Projeto. O Projeto de Decreto Legislativo 61/2018, que autoriza a venda direta de etanol hidratado de usinas para os postos, é rejeitado pelas distribuidoras e dividiu o setor de biocombustível.
A Plural (antigo Sindicom), que reúne as distribuidoras, além de grandes entidades de produtores de etanol, como a União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica) e a Associação de Produtores de Bioenergia do Estado do Paraná (Alcopar), são contrárias à autorização para a venda direta, prevista na proposta do senador Otto Alencar (PSD-BA).
A Federação dos Plantadores de Cana do Brasil (Feplana), que reúne os agricultores e tem forte influência no Nordeste, é favorável ao projeto. Em entrevista disponível no site da entidade, o presidente da associação Alexandre Lima diz que, “no mundo inteiro, não há essa restrição só no Brasil”. Ele cita ainda que a medida beneficiaria principalmente o consumidor, que vai comprar um combustível mais barato.
Preocupado com uma desregulamentação no comércio do etanol hidratado, o governo prepara um estudo para tentar mediar o conflito causado pela tramitação do projeto no Senado. Fonte do Ministério das Minas e Energia informou que uma possível sugestão apontada no estudo seria propor um teste com a venda direta do biocombustível por um período longo em um estado produtor, possivelmente no Nordeste, para avaliar como a cadeia se comportaria sem a venda intermediada pelas distribuidoras.
Apesar da possibilidade de queda nos preços, que seria favorável ao consumidor, o governo teme que o desmonte da distribuição seja acompanhado pela sonegação de impostos e pela adulteração do biocombustível.
Durante a greve dos caminhoneiros, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) chegou a autorizar emergencialmente a venda direta das usinas para os postos, mas a medida foi revogada quando a situação se normalizou. Agora, o projeto do senador baiano derruba o artigo da Resolução 43/2009, da ANP, que só permite ao fornecedor comercializar o etanol com outro fornecedor cadastrado na ANP com um distribuidor autorizado pela agência, ou com o mercado externo. O PL teve sua tramitação acelerada no Parlamento.
A Unica preparou um documento ao Congresso com argumentos contrários à venda direta. O texto cita prejuízo à implementação da nova política nacional de biocombustíveis, o RenovaBio; o mercado de venda direta limitado; os desafios logísticos sem ganhos para o consumidor; e a necessidade de mudança na estrutura tributária.
No documento, a Unica informa também que a entidade representa produtores de etanol, “isto é, aqueles que, em tese, seriam beneficiados com a venda direta de etanol aos postos revendedores” e lembra que o RenovaBio institui as distribuidoras como parte obrigada no cumprimento das metas de redução de emissões. Com a venda direta, o programa seria inviabilizado e ficaria desconfigurado.
Quanto à limitação do mercado de venda direta, a Unica lembra que os postos “com bandeira” possuem vínculos contratuais com empresas como BR Distribuidora, Ipiranga e Grupo Cosan (Raízen Combustíveis). “Portanto, as vendas diretas de etanol ficarão restritas ao postos ‘bandeira branca'”, cita.
Para a entidade do setor produtivo de etanol, custos de transação nas usinas serão ampliados e o controle da qualidade do produto, dificultado. O transporte de combustíveis aos postos é usualmente realizado por modal rodoviário com tanques e, em uma mesma carga, o posto recebe etanol, diesel e gasolina. “Com a venda direta, será necessário estabelecer outro canal para obter diesel e gasolina junto a uma distribuidora, limitando a atividade de compra”.
A Unica destaca ainda que o PIS e o Cofins incidentes sobre o etanol hidratado são recolhidos pelo produtor (R$ 0,13 por litro) e pelo distribuidor (R$ 0,11 por litro). A ausência do distribuidor exigirá, portanto, mudanças na legislação tributária federal. Além disso, serão necessárias alterações no regulamento do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) estadual.
Por fim, a entidade lembra que atualmente já existem inúmeras distribuidoras operando apenas com etanol hidratado, uma vez que a legislação atual permite aos fornecedores do renovável a atividade de distribuição de combustíveis.
Aumento no custo de transporte. Em outra frente, a Plural encomendou um estudo à consultoria de supply chain Leggio, que concluiu que não há sustentação para a tese da existência de um benefício de eficiência logística e operacional com a venda direta do etanol. De acordo com o estudo, haveria um aumento de mais de R$ 870 milhões ao ano no custo médio logístico, operacional e administrativo.
O estudo considera duas alternativas de modelo de abastecimento. Na primeira, o etanol hidratado é transportado das usinas até as bases de distribuição e depois enviado para postos de abastecimento. Na segunda, o etanol hidratado é transportado das usinas diretamente para os postos de abastecimento, onde será vendido ao consumidor. Os resultados demonstram um crescimento do custo de transporte em 24,7%, representando R$ 181 milhões, quando aplicado o modelo de abastecimento da usina diretamente para o posto.
A diferença entre os valores é justificada por cinco fatores principais: ausência do uso de modais de alto volume (dutos e ferrovias) em função da entrega mais fragmentada nos fluxos entre usina e posto; a tendência de utilização de veículos de menor capacidade (o estudo considerou o tanque 30 metros cúbicos) no fluxo usina-posto, na comparação com o transporte usina-base de distribuição, no qual são utilizados bitrens 40 metros cúbicos; aumento do tempo total de viagem, com o acréscimo de pontos de entrega por viagem nos fluxos usina-base; produtividade mais baixa da frota contratada pela usina, em razão da infraestrutura limitada para carregamento, gerando filas na operação; e ganho de escala na contratação de frete nos fluxos usina-base-posto, uma vez que o volume total transportado por distribuidora é significativamente maior do que o transportado por usina.
O estudo elaborado pela Leggio menciona também potencial aumento do custo do frete usina-base para etanol anidro, por perda de escala na contratação no valor de R$ 34 milhões; e possível elevação do custo de frete base-distribuição para diesel B e gasolina C causada pela perda de escala na contratação, em R$ 252 milhões.
De acordo com a Plural, na prática, as usinas não possuem logística suficiente para chegar aos mais de 40 mil postos espalhados pelo Brasil. “Isso só é possível hoje após bilhões de reais em investimentos por parte das distribuidoras”, diz a entidade.
Além disso, 58% dos postos operam com marcas e não poderiam comprar de uma usina, pois estariam “enganando o consumidor e descumprindo regras contratuais”, diz declaração da Plural enviada à imprensa.
“O prejuízo ao consumidor também pode ocorrer pela fragilização dos processos de controle de qualidade dos combustíveis fornecidos aos postos revendedores. O modelo vigente viabiliza mecanismos de fiscalização dos agentes regulados e sua respectiva responsabilização pelas atividades efetuadas”, acrescenta.
Comentário a clientes do Itaú BBA cita que a medida é negativa para distribuidoras como Ultrapar, detentora da rede Ipiranga, e BR. “Se o projeto for aprovado, acreditamos que seria negativo para a Ultrapar e para a BR, já que, enquanto postos com bandeira não iriam poder comprar etanol diretamente das usinas, os com bandeira branca iriam”, diz o documento. “Isso, a nosso ver, iria piorar cenário competitivo e implicaria margens menores nos volumes de etanol para o negócio de distribuição.”
O Estado de S. Paulo