Situação fiscal e recessão global pautam Selic e dólar para 2023

Por
O Estado de S. Paulo
em

 

Incertezas sobre como o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) lidará com a gestão fiscal do Brasil e sobre a força da recessão econômica nos países desenvolvidos se tornaram determinantes para a definição da taxa de juros e da cotação do dólar para 2023.

No momento, o mercado enxerga um arrefecimento gradual da inflação que permitirá o início do ciclo de baixa dos juros no País, com uma Selic estimada de 12,25% ao final deste ano, e uma manutenção na competitividade da economia brasileira que posicionará o dólar a R$ 5,28 ao final de dezembro, segundo a pesquisa Focus do último dia 9 – hoje, o BC divulga uma nova pesquisa, no início da manhã. Há, no entanto, outros riscos no radar que podem mudar as projeções.

A principal discussão para o mercado externo gira em torno do impacto dos juros na atividade econômica global. A maior preocupação, claro, está voltada para a economia dos Estados Unidos, motor do mundo que reafirma a sua liderança neste momento em que a China patina.

Para conter a inflação, o Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA) promoveu sete aumentos de juros em 2022, com algumas altas de 0,75 ponto porcentual, e ninguém sabe ao certo o quanto a medida vai frear a economia do país.

O grande temor é que a autoridade monetária erre a mão e provoque um impacto no Produto Interno Bruto (PIB) além do esperado.

No mercado doméstico, as atenções se voltam para as contas públicas. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição assustou quando pediu a exclusão do teto de gastos de R$ 175 bilhões para bancar o benefício mínimo de R$ 600 do Auxílio Brasil (que voltou a se chamar Bolsa Família) – a matéria aprovada elevou o teto em R$ 145 bilhões para 2023. O mercado agora aguarda pela definição de uma âncora fiscal que vai balizar os gastos do governo pelos próximos quatro anos.

As expectativas quanto à taxa de juros para 2023, bem como para a cotação do dólar estão fundamentadas nesse quadro. E na perspectiva de crescimento da economia brasileira.

Agentes do mercado esperam mais visibilidade do impacto dos juros sobre a atividade econômica doméstica, tanto que a Focus prevê um PIB de 0,78% em 2023, em contraste com a previsão de avanço de 3,03% em 2022. “No segundo semestre de 2023 acreditamos que a economia terá uma desaceleração mais notável. A atual política monetária fará efeito e abrirá espaço para a redução dos juros”, diz o estrategista de renda fixa do Itaú BBA, Lucas Queiroz. A expectativa do banco, revisada na última sexta-feira, coloca a Selic em 12,50% e o dólar em R$ 5,50 no fechamento de 2023.

Em 2022, o câmbio ficou à mercê da constante mudança nos juros dos EUA, mas, com a esperada diminuição do ritmo de alta em algum momento do ano, a volatilidade da moeda tende a diminuir. “Estamos trabalhando com o mesmo patamar de dólar que utilizamos em 2022”, afirma o diretor de Novos Negócios da Travelex, João Manuel Campanelli, que estima o dólar entre R$ 5,30 e R$ 5,70 em 2023. “Apesar de uma taxa alta, ela está estável em relação àquela que trabalhamos em 2022 e compatível com o cenário atual”, diz.

Embora o mercado tenha precificado as preocupações quanto à condução da política fiscal e à recessão das principais economias em 2023, há grandes incertezas políticas e econômicas no mundo que podem, a qualquer momento, obrigar os especialistas a reavaliar suas projeções.

De acordo com o economista-chefe da Ágora Investimentos, Dalton Gardimam, o quadro fiscal brasileiro lidera como maior fator de risco. Mas o mercado também vai acompanhar de perto a crise energética na Europa, a guerra entre Ucrânia e Rússia e o comportamento da inflação global e como ela vai afetar os juros das principais economias.

“O Brasil está avançado nesse aspecto inflacionário, subindo juros antes do restante do mundo. E por isso vai sair dessa encrenca antes. A inflação, por incrível que pareça, é mais angustiante no mundo do que no Brasil”, afirma. “No entanto, uma recessão nos EUA torna tudo imprevisível.”

Gardimam também chama a atenção para a tensão dos investidores em relação à condução econômica do novo governo. A percepção é a de que o mercado vai se acalmar assim que tiver todas as respostas. “Raramente um plano econômico fica sem pé nem cabeça quando anunciado. Ele pode ser executado de forma diferente, mas o plano sempre faz sentido na cabeça da maioria. Não acredito que o PT vai se descuidar dos gastos a torto e a direito.” O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou um pacote econômico de melhora fiscal de R$ 242,7 bilhões na quinta-feira. •

Autor/Veículo: O Estado de S. Paulo